JUIZADO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSUMIDOR. DÉBITO BANCÁRIO. SUPERENDIVIDAMENTO. IMPENHORABILIDADE DO SALÁRIO. AUSÊNCIA DE CARÁTER ABSOLUTO. DESCONTO EM CONTA CORRENTE. VALIDADE. LIMITAÇÃO A 30%. PRESERVAÇÃO DO DIREITO AO CRÉDITO E DA DIGNIDADE DO DEVEDOR. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. I. Trata-se de agravo de instrumento interposto pela parte autora, ora agravante, contra decisão do juízo de origem que indeferiu o pedido de tutela antecipada para compelir o banco BRB (Banco Regional de Brasília), a devolver o valor debitado de sua conta salário no total de R$ 4.646,62. II. A relação jurídica estabelecida entre as partes de natureza consumerista, devendo a controvérsia ser solucionada sob o prisma do sistema jurídico autônomo instituído pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990). III. A norma do inciso IV do art. 883 do CPC prevê que: ?São impenhoráveis: IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º;? Contudo, já foi decidido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) que a impenhorabilidade de salário não é absoluta, sendo mitigada pela Teoria do Mínimo Existencial (AgInt no AREsp 1336881/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 23/04/2019, DJe 27/05/2019) IV. O Código de Defesa do Consumidor - CDC e o Código Civil - CC contemplam limites à liberdade de contratar, impondo observância quanto à função social do contrato e os deveres de boa-fé objetiva, probidade e lealdade pelas partes. Os numerosos casos de superendividamento que chegam ao Judiciário suscitaram a atenção do Poder Público para a premente necessidade de observância aos princípios da função social do contrato, probidade e boa-fé objetiva (arts. 421 e 422 do CC e Enunciado 23 do CJF), e garantia do mínimo existencial sob o primado constitucional fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal/88), os quais, à toda evidência, preponderam sobre a autonomia da vontade privada, desprovida de caráter absoluto. Balizando-se nessas diretrizes, o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento no sentido de que deve ser mantida a possibilidade de a instituição financeira debitar na conta corrente do contratante as parcelas dos contratos, observado, no entanto, o limite de 30% (trinta por cento) do montante resultante da remuneração após descontadas as consignações compulsórias. Precedentes (AgRg no AREsp 45.082/AP; REsp 1734732/RS; REsp 1584501/SP) V. Considerando-se que o salário possui caráter alimentar, os descontos devem ser efetivados de maneira a viabilizar o sustento do devedor, motivo pelo qual, a fim de não desarticular financeiramente a parte e, ainda, viabilizar o pagamento da dívida, tem-se por razoável que a soma dos descontos se limite a 30% (trinta por cento) dos vencimentos. VI. Agravo de instrumento CONHECIDO e PARCIALMENTE PROVIDO para, confirmando a liminar concedida, manter o desconto limitado a 30% (trinta por cento) do valor total debitado e, consequentemente, liberar o remanescente de 70% (setenta por cento), uma vez que a penhora integral dos valores prejudicaria a subsistência do agravante e sua família. VII. Sem condenação em custas ou honorários, ante a ausência de recorrente integralmente vencido, art. 55 da Lei 9.099/95.