TJDFT

SISTJWEB

Pesquisa Documentos Jurídicos
INÍCIO  |   CONTATO  |
Acórdãos  ::  Pesquisa Livre
    Documento 0 de 1
Classe do Processo:
07128470620198070018 - (0712847-06.2019.8.07.0018 - Res. 65 CNJ)
Registro do Acórdão Número:
1421631
Data de Julgamento:
05/05/2022
Órgão Julgador:
3ª Turma Cível
Relator:
Roberto Freitas Filho
Data da Intimação ou da Publicação:
Publicado no PJe : 17/05/2022 . Pág.: Sem Página Cadastrada.
Ementa:
  APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. DISTRITO FEDERAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. PADRONIZADO. TEMA 106/STJ. DISTINGUISHING. PRESCRIÇÃO DE TRATAMENTO FORA DAS INDICAÇÕES DA BULA (OFF LABEL). DISFORIA DE GÊNERO. ADOLESCENTE. ASSISTÊNCIA. EQUIPE MULTIDISCIPLINAR. BLOQUEIO PUBERAL. AUSÊNCIA DE PROTOCOLO CLÍNICO. CONITEC. MINISTÉRIO DA SAÚDE. SECRETARIA DE SAÚDE. OMISSÃO. FALTA DE REGULAMENTAÇÃO. POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL LGBT. FALTA DE REGULAMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA PESSOAS TRANSGÊNERO. USO OFF LABEL. COMPROVAÇÃO DA EFICÁCIA DO FÁRMACO. SEGURANÇA. CABIMENTO. SENTENÇA REFORMADA. 1. A matéria não se amolda aos contornos fáticos e jurídicos do julgamento do REsp 1.657.156/RJ (Tema 106) porquanto não trata do fornecimento de medicamento ausente nos atos normativos do SUS, e sim fármaco incluído na lista de assistência farmacêutica do Sistema Único de Saúde, porém, prescrito em desconformidade com as orientações da bula, incluindo indicação terapêutica diferente da aprovada para o medicamento, ou seja, para uso off label. Em vista da distinção fática do presente caso, deve ser afastada a aplicação do Tema 106/STJ. 2. O pedido de fornecimento do fármaco Triptorrelina para bloqueio puberal em adolescente com disforia de gênero foi negado à paciente sob a justificativa estatal de: (i) ser vedada a dispensação de medicamentos sem previsão nos protocolos clínicos; (ii) o uso off label não possuir segurança e eficácia comprovadas. 3. As Portarias n.º 2.836/2011 e 2.803/2013 do Ministério da Saúde contêm previsão legislativa para o desenvolvimento de políticas públicas em saúde integral voltadas à população com incongruência de gênero ou transgênero. Todavia, até o momento, enfrenta-se a absoluta inexistência de regulamentação específica de protocolos clínicos editados pelo Ministério da Saúde, pelos órgãos do SUS, pela CONITEC ou pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES/DF). 3.1. Trata-se, na realidade, de omissão normativa específica para a concretização de uma política pública de saúde que já está prevista pelo Ministério da Saúde desde o ano de 2011 para ser executada por intermédio do Sistema Único de Saúde (SUS). 3.2. A regulamentação mais específica da matéria ocorreu a partir da edição e publicação da Resolução 2.265, de 20/09/2019, do Conselho Federal de Medicina, a qual dispõe sobre o cuidado específico e a atenção integral à saúde da pessoa com incongruência de gênero ou transgênero. 3.3. A Resolução 2.265/2019 do CFM prevê, no art. 9º, §2º, o bloqueio hormonal com vistas à interrupção da produção de hormônios sexuais, impedindo o desenvolvimento de caracteres sexuais secundários do sexo biológico pelo uso de análogos de hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH) a partir do estágio puberal Tanner II (puberdade), que ocorre dos 9 (nove) aos 14 (catorze) anos de idade no sexo masculino  4. No caso, trata-se de adolescente de 14 (quatorze) anos de idade, que se identifica sob o sexo feminino desde os 5 (cinco) anos de idade; recebeu nome social do gênero feminino; tem vivido intenso sofrimento psíquico e vulnerabilidade social diante da vida escolar e social em adição à transição física típica do período de puberdade em adolescentes, o que se agrava pela condição especial de não se reconhecer no gênero biológico. 4.1. O pedido de tutela deriva da prescrição do fármaco Triptorrelina para bloqueio puberal após mais de cinco anos de assistência de saúde por equipe multiprofissional, dentre eles, médico de família, pediatra, endocrinologista pediátrico, psiquiatra e ginecologista, assistente social e psicólogo, com a autorização e o apoio de sua mãe e responsável legal. 5. Deve ser reconhecida a necessidade de contemplar a população transgênero com o tratamento em saúde adequado às suas necessidades específicas, o que não configura propriamente intervenção criativa na política pública de saúde do SUS ou do Distrito Federal, mas sim o suprimento de omissão em política pública já devidamente prevista pela gestão em saúde do SUS. 6. Como aponta a nota técnica do NATJUS, o fármaco Triptorrelina se destina à ?supressão da puberdade, com retardo no surgimento de caracteres sexuais indesejáveis para o adolescente transgênero, com melhores resultados físicos e psicológicos quando iniciado nas fases púberes iniciais? (ID 26640538 - Pág. 4), que é precisamente o efeito farmacológico desejável pela equipe que assiste a paciente em questão, a inibição da puberdade, em vista da condição especial de gênero que deve receber assistência especial em saúde. 7. Não havendo vedação legal para a prescrição de medicamento em uso off label, é possível o deferimento do pedido de medicamento quando evidenciada a sua eficácia para o tratamento da paciente e a segurança, sabendo-se ser totalmente reversível o quadro de inibição de hormônios sexuais a partir da interrupção do uso do fármaco. 8. Em conclusão, merece deferimento o uso off label da Triptorrelina, medicamento padronizado no âmbito do SUS, enquanto houver essa lacuna de protocolo medicamentoso específico para adolescentes com incongruência de gênero que, embora não seja uma doença ou patologia, merece o cuidado do sistema de saúde público.  9. Apelação cível conhecida e provida.  
Decisão:
CONHECER E DAR PROVIMENTO, UNÂNIME
Exibir com Formatação:

Exibir sem Formatação:
Inteiro Teor:
Download Inteiro Teor - PJE
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios -