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Classe do Processo:
20170110006755APC - (0000158-90.2017.8.07.0001 - Res. 65 CNJ)
Registro do Acórdão Número:
1075845
Data de Julgamento:
21/02/2018
Órgão Julgador:
6ª TURMA CÍVEL
Relator:
ALFEU MACHADO
Data da Intimação ou da Publicação:
Publicado no DJE : 27/02/2018 . Pág.: 670/689
Ementa:

CIVIL. PROCESSO CIVIL. CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. IMPOSSIBILIDADE DE DESPACHO DE TERCEIRA BAGAGEM. VIAGEM INTERNACIONAL. APLICAÇÃO DO CDC E DA NORMA DE SERVIÇO AÉREO INTERNACIONAL CT-011, DO DEPARTAMENTO DE AVIAÇÃO CIVIL. FACULDADE DE PAGAMENTO DE TAXA DE EXCESSO CASO EXCEDIDA A FRANQUIA DE DUAS MALAS OU CAIXAS. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. ARTS. 6º, VI, E 14 DO CDC E 186, 187 E 927 DO CC. INTERPRETAÇÃO MAIS FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR. BOA-FÉ OBJETIVA. LIAME DE CAUSALIDADE ENTRE O DEFEITO DO SERVIÇO E O EVENTO DANOSO DEMONSTRADO. DANO MATERIAL COMPROVADO. OCORRÊNCIA DE ABALO MORAL. PREJUÍZO IN RE IPSA. QUANTUM COMPENSATÓRIO FIXADO. OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. NORMATIVA DA EFETIVA EXTENSÃO DO DANO (CPC, ART. 944). FUNÇÃO PREVENTIVA-PEDAGÓGICA-REPARADORA-PUNITIVA. INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. HONORÁRIOS RECURSAIS. APLICABILIDADE. NOVA SISTEMÁTICA DO CPC/2015. APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA.



1 - Ao caso, aplicam-se as regras dispostas no Código de Defesa do Consumidor,considerando que a relação jurídica existente entre as partes é a de fornecedor e de consumidor, nos termos dos arts. 2º e 3º daquele Diploma legal, incidindo, ainda, pelo diálogo das fontes, normas de Direito Civil e outras correlatas à matéria.



1.1 - A lei consumerista trouxe uma nova tábua de valores sobre os quais se assentam os contratos de adesão, como, por exemplo, o celebrado pelas partes no presente feito, e, com efeito, o art. 6º do CDC confere ao consumidor o direito à informação adequada e clara sobre produtos e serviços, qualidade e preço, sendo ônus da empresa contratada informá-lo acerca de qualquer especificidade da avença.



1.2 - Em se tratando de contrato de consumo, outro ponto deve ser ressaltado: a cláusula restritiva de cobertura deve estar expressa e claramente comunicada ao consumidor, sob pena de violação aos artigos 6º, inciso III, e 54, parágrafo 4º, todos da lei consumerista. Dessa forma, existindo a supramencionada espécie de cláusula no contrato de transporte quanto à bagagem despachada, a parte contratante deve ter conhecimento prévio das cláusulas limitativas de direito, sob pena de serem consideradas nulas, conforme preceitua o artigo 46 do CDC.



1.3 - Além disso, as Cláusulas contratuais deverão ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor nos termos do artigo 47 do reiterado CDC.



1.4 - O princípio da boa-fé contratual é entendido como um dever de conduta que impõe ao contratado lealdade aos contratantes, ou seja, que não somente o contrato seja redigido de forma clara e transparente sobre os serviços a serem prestados, como haja um tratamento digno ao segurado no momento da execução dos serviços contratados. O contrário configura, até na seara civil geral, falha na prestação do serviço.



2 - No particular, o trecho aéreo é de cunho internacional (Norfolk/Miami/Brasil), razão pela qual o transporte de bagagens de passageiros pelo sistema de peça também é regulamentado pela Norma de Serviço Aéreo Internacional CT-011, editada pelo Departamento de Aviação Civil - DAC, substituído pela Agência Nacional de Aviação Civil - ANAC, segundo a qual, ao tratar sobre Bagagem Despachada, cada passageiro poderia despachar 2 malas, cujo peso volumétrico não poderia ultrapassar 32 kg.



2.1 - Não obstante o disposto, a Norma de Serviço Aéreo Internacional CT-011 também dispôs que as bagagens em excesso à franquia permitida (cada peça excedendo 2 malas despachadas) seriam taxadas por peça, nos termos do seu item C, cujos valores estavam contidos na Norma de Serviço Aéreo Internacional TP-005.



2.2 - Vislumbra-se, portanto, o direito de o passageiro despachar duas malas sem custo adicional, sendo-lhe possível, na hipótese de exceder essa franquia, despachar eventual terceira peça mediante o pagamento de taxa de excesso estabelecida pelo transportador. Por consectário, ante a norma mencionada, a apelante teria, em tese, o direito a despachar a terceira bagagem, desde que pagasse a mala em excesso.



3 - Na espécie, restou incontroversa a negativa de despacho da terceira bagagem da autora/apelante por parte da ré/apelada, tendo que deixá-la com terceiros com quem não tinha vínculos estreitos de amizade e em local não seguro.



3.1 - Existindo limitação de direito do consumidor, as informações a seu respeito devem ser devidamente prestadas, de forma clara, permitindo sua imediata e fácil compreensão. No entanto, compulsados os autos, embora a ré/apelada tenha aventado a política de embargo temporário de bagagem em períodos de alta temporada como fundamento para o fato de não ter despachado a terceira bagagem da autora/apelante, não se desincumbiu de comprovar que, à época da compra ou da viagem, referida limitação havia sido devidamente comunicada à apelante, à luz do CDC e do art. 373, inciso II, do CPC.



3.2 - Apesar de acostada imagem à fl. 96 retirada do seu sítio eletrônico, na qual consta limitação sazonal de bagagens em períodos do ano em que o turismo se torna mais evidente, a apelada não especificou as respectivas datas que abrangem essa alta temporada nem demonstrou que referida informação estava disponível para a apelante no momento de sua viagem, sendo necessário frisar que o conceito de alta temporada é relativo, variando respectivo período de país para país, motivo pelo qual eventual embargo de bagagem em determinados períodos do ano deve ser claramente informado ao consumidor.



3.3 - Além disso, da primeira imagem aposta à fl. 95 infere-se informação conflitante, pois, ao mesmo tempo que possibilita ao passageiro o despacho de terceira bagagem, mediante o pagamento de U$ 85 ou sem custo adicional, dependendo do tipo de passagem adquirida, exclui o mencionado direito à bagagem extra ao afirmar que "há limitações durante o ano todo quanto ao número de caixas e bagagens despachadas em viagens para algumas cidades do Brasil", sem especificar, contudo, quais cidades seriam essas.



3.4 - Também não houve insurgência da apelada, em qualquer momento, contra a alegação de que a recorrente se propôs a efetuar o pagamento da taxa extra de U$ 85 a fim de despachar a terceira peça, levando-se à conclusão de que a informação prestada pela apelada não se mostrou suficiente ao fim colimado, violando, dessarte o disposto no CDC no que toca ao direito do consumidor à informação, tendo havido, consequentemente, defeito na prestação do serviço.



4 - A responsabilidade civil dos fornecedores de serviços, a cujo conceito se amolda a parte ré recorrida, é objetiva, fundada no risco da atividade desenvolvida, conforme arts. 6º, VI, e 14 do CDC e 186, 187 e 927 do CC, não se fazendo necessário perquirir acerca da existência de culpa, bastando a comprovação do liame de causalidade entre o defeito do serviço e o evento danoso experimentado pelo consumidor, cuja responsabilidade somente poderá ser afastada/minorada nas hipóteses de caso fortuito/força maior (CC, art. 393), inexistência do defeito (CDC, art. 14, § 3º, I) e culpa exclusiva do ofendido ou de terceiros (CDC, art. 14, § 3º, II).



4.1 - In casu, verifica-se que a falha na prestação do serviço pela apelada acarretou reflexos na seara patrimonial e moral da apelante capaz de ensejar a responsabilidade da apelada pelos danos sofridos pela apelante, pois, diante da negativa de despacho da terceira mala, viu-se esta compelida a deixar os pertences nela contidos dentro da universidade onde realizou curso de atualização, na Virgínia (Norfolk), causando-lhe constrangimentos, conforme de depreende dos e-mail's de fls. 45/47, e a ter de pagar R$ 3.830,70 para tê-la de volta (fls. 54/62).



4.2 - Com relação à indenização pelo dano material indicado, os documentos das fls. 54/62 mostram-se suficientes a confirmá-la, pelo que se entende ser devido o valor despendido, no montante de R$ 3.830,70, por ter sido vertido para cobrir os prejuízos efetivamente pagos com o envio da bagagem para Brasília.



4.3 - Quanto ao dano moral, in casu, diante das circunstâncias fáticas narradas, sobressai evidente a lesão a interesse extrapatrimonial experimentado pela apelante diante do abalo emocional e psicológico sofrido com toda a situação vivenciada, apto a ensejar a devida reparação.



4.3.1 - É certo que o montante reparatório, em qualquer situação, deve ser arbitrado em consonância com os princípios da razoabilidade, ou seja, sem exacerbação dos valores, a fim de não conduzir ao famigerado enriquecimento sem causa, e proporcional ao dano causado, observando-se a norma que trata da efetiva extensão do dano, por inteligência do artigo 944 do Código Civil, bem como a incidência da função preventivo-pedagógica-reparadora-punitiva, para que se previna novas ocorrências, ensine-se aos sujeitos os cuidados devidos, sob pena de se sujeitar às penalidades legais, à reparação dos danos ao consumidor e à punição pelos danos causados.



4.3.2 - Com efeito, deixar seus pertences com terceiros com quem não tinha vínculos de amizade e em local não seguro, por não ter qualquer ponto de apoio em Norfolk (Virgínia), passíveis de extravio ou qualquer outro tipo de dano, seguramente extrapola os limites do razoável, chegando a romper o equilíbrio psicológico do indivíduo, o que se afigura suficiente para a configuração do prejuízo moral in re ipsa, motivo pelo qual, em homenagem aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, tem-se que a quantia de R$ 3.000,00 atende às peculiaridades do caso concreto e às finalidades acima delineadas (reprovabilidade da conduta, repercussão na esfera íntima da parte ofendida, caráter educativo, capacidade econômica da parte).



5 - Em virtude da procedência do pedido autoral, devem os ônus sucumbenciais ser invertidos em favor da apelante, devendo a apelada ser condenada ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios.



6 - O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º (20%) e 3º para a fase de conhecimento (§ 11, do art. 85, do CPC/2015).



7 - Apelação conhecida e provida. Sentença reformada para julgar procedentes os pedidos autorais e, consequentemente, condenar a ré/apelada ao pagamento de indenização por danos materiais, no importe de R$ 3.830,70 (três mil oitocentos e trinta reais e setenta centavos), acrescido de juros de mora de 1% e de correção monetária a partir de seu desembolso, e por danos morais, no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), acrescido de juros de mora de 1% a partir da citação e de correção monetária a partir do seu arbitramento. Ônus sucumbenciais invertidos. Honorários recursais arbitrados.
Decisão:
CONHECER E DAR PROVIMENTO, UNÂNIME
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