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Classe do Processo:
07127893120228070007 - (0712789-31.2022.8.07.0007 - Res. 65 CNJ)
Registro do Acórdão Número:
1787898
Data de Julgamento:
16/11/2023
Órgão Julgador:
2ª Turma Cível
Relator:
JOÃO EGMONT
Data da Intimação ou da Publicação:
Publicado no PJe : 01/12/2023 . Pág.: Sem Página Cadastrada.
Ementa:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO E AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IMPUGNAÇÃO À GRATUIDADE DE JUSTIÇA. ELEMENTOS DE PROVA NÃO REBATIDOS. PRESENTES OS PRESSUPOSTOS. GRATUIDADE MANTIDA. PRELIMINAR. DIALETICIDADE. REJEIÇÃO. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO (RMC). RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO. APLICABILIDADE DO CDC. DEVER DE INFORMAÇÃO. NULIDADE DO CONTRATO. RESTITUIÇÃO EM DOBRO. DANOS MORAIS IN RE IPSA. BOA-FÉ CONTRATUAL. REDIMENSIONAMENTO DOS HONORÁRIOS CONFORME ART. 85, §2º, DO CPC. APELO DO BANCO RÉU IMPROVIDO. APELO DO AUTOR PROVIDO.  1. Apelação interposta contra sentença proferida em ação de conhecimento, que julgou os pedidos iniciais parcialmente procedentes para: a) deferir o pedido de tutela de urgência e determinar ao réu que suspenda os descontos no contracheque do autor provenientes do contrato impugnado, no prazo de 48h, sob pena de aplicação de multa diária de R$ 5.000,00, limitada a R$ 50.000,00; b)  declarar a nulidade do contrato e obstar qualquer desconto na folha de pagamento do autor que tenha por base referido contrato; c) condenar o réu a restituir ao autor todas as parcelas pagas, devidamente corrigidas pelo INPC a partir do desembolso de cada parcela, na forma simples, devendo abater o valor que foi disponibilizado ao autor a título de empréstimo (R$ 23.750,40), com correção pelo INPC a partir da data em que o valor foi disponibilizado ao autor. Todos os valores devidos deverão ser objeto de liquidação por meros cálculos aritméticos (art. 509, § 2º, do Código de Processo Civil) e, caso eventualmente se apure crédito em favor do réu, a execução também poderá ocorrer nestes autos. 1.1. Em sua apelação, o banco réu requer a reforma da sentença para julgar improcedentes os pedidos da inicial. Sustenta as seguintes teses: a) ausência de ilicitude da instituição financeira, com a contratação válida e regular; b) inexistência do vício de vontade; c) inexistência de abusividade contratual; d) ausência de abusividade das taxas de juros remuneratórios e impossibilidade de revisão; e) da indevida restituição do valor das parcelas pagas. 1.2. O autor requer em seu apelo a reforma da sentença para condenar o apelado a devolver os valores cobrados indevidamente em dobro e pagar indenização por danos morais. Assevera, em suma, que os descontos mensalmente efetuados não abatem o saldo devedor, uma vez que o desconto do mínimo cobre apenas os juros e encargos mensais do cartão, portanto, há evidente enriquecimento ilícito por parte do réu, tais fatos que causaram abalos morais passíveis de reparação. 1.3. O banco réu, em suas contrarrazões, impugnou a gratuidade de justiça do apelante, bem como suscitou a preliminar de ausência de impugnação específica necessária.  2. Gratuidade de justiça. O art. 99, § 2º, do CPC, estabelece que o juiz somente poderá indeferir o pedido justiça gratuita quando for evidente ?a falta dos pressupostos legais para a concessão?. E o § 3º, do mesmo dispositivo, é expresso ao determinar que ?presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural?. 2.1. No caso, ao exame dos elementos de convicção acostado aos autos, vê-se que o autor percebe remuneração líquida de aproximadamente um terço do valor bruto, após débitos de 12 empréstimos consignados, além disso, ele ainda sofreu, no mesmo, mês 8 débitos em sua conta corrente do BRB relativos a empréstimos que consomem quase que a totalidade de seus rendimentos depositados, o que se repete todos os meses. 2.2. Nesse contexto, enquanto não houver prova em sentido contrário, a documentação juntada aos autos indica que foram demonstrados os requisitos necessários para a manutenção da gratuidade de justiça. 2.3.  Ademais, o regramento da gratuidade de justiça restou sensivelmente modificado pelo Novo Código de Processo Civil, destacando o art. 99 que a presunção de veracidade, da declaração de pessoa natural, só pode ser afastada com base em elementos concretos que demonstrem a ausência dos requisitos legais, entendimento. 2.4. Jurisprudência: ?(...) 2. O regramento atinente à gratuidade de justiça restou sensivelmente modificado pelo Novo Código de Processo Civil, destacando o art. 99 que a presunção de veracidade, firmada pela declaração do próprio postulante, pessoa natural, só pode ser afastada com base elementos em concretos que demonstrem a ausência dos requisitos legais, entendimento, inclusive, que já era dominante na doutrina e na jurisprudência. 3. No caso dos autos, não há dados capazes de afastar a presunção de hipossuficiência, visto que a situação financeira do autor não denota demasiada financeira e tampouco elevado padrão de vida, uma vez que o valor das parcelas do contrato de promessa de compra e venda de imóvel teriam semelhança ao valor exemplificativo de um aluguel, bem como pelo fato do autor não ter emprego formal. 4. Recurso conhecido e provido.? (07026943620178070000, Relatora: Gislene Pinheiro, 7ª Turma Cível, DJE: 04/07/2017). 3. Preliminar de não conhecimento do apelo rejeitada. 3.1. O ordenamento jurídico processual pátrio, no que tange aos recursos, é orientado por diversos princípios, dentre eles, o da dialeticidade ou discursividade recursal. 3.2. Um dos requisitos de admissibilidade do recurso é a impugnação específica da decisão recorrida, com a exposição dos fundamentos de fato e de direito, conforme o disposto no art. 1.010, II do Código de Processo Civil. 3.3. O apelante expôs os motivos de sua insatisfação, mormente no que tange à devolução dos valores cobrados indevidamente em dobro e ao pagamento de indenização por danos morais. 4. Recurso do réu. Nulidade do contrato. 4.1. A relação estabelecida entre as partes guarda natureza consumerista e o contrato aludido nos autos caracteriza-se como contrato de adesão, considerado pela lei como aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo (art. 54 do CDC). 4.2. Nos contratos de outorga de crédito é assegurado ao consumidor o direito de ser informado prévia e adequadamente sobre: preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional (valor contratado); montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros; acréscimos legalmente previstos; número e periodicidade das prestações; soma total a pagar, com e sem financiamento (art. 52 do CDC), dentre outros. 4.3. Dessa forma, a exibição das cláusulas contratuais e a forma de execução dos contratos se insere no dever de informação em decorrência da relação jurídica mantida entre as partes. 4.4. O CDC estabeleceu a responsabilidade objetiva para o fornecedor de serviços, em decorrência do dever de segurança, de informação, de transparência e de boa-fé objetiva (art. 4º do CDC). Tratam-se de princípios que estão intrinsecamente vinculados ao princípio do in dubio pro consumidor que permeia a vulnerabilidade dos consumidores diante de fornecedores. 4.5. O contrato objeto dos autos não externaliza, de forma clara e transparente, as principais características do produto; não distingue o serviço de saque de outras modalidades menos dispendiosas de crédito; além de faltar com objetividade quanto à necessidade de complementar os consignados em folha para efetivamente quitar o débito e evitar a incidência cumulada de encargos. 4.6. Inexiste detalhamento de prazos, valores de parcelas ou de outras especificidades capazes de evitar que um consumidor comum, imbuído do desejo de obter crédito consignado ordinariamente oferecido, assinta, por erro ou desinformação, com contratação abertamente desvantajosa (dados os fins perseguidos) de crédito mediante saque com lançamento em fatura de cartão e depósito em conta corrente. É o que se observa, principalmente, dos tópicos 8 a 10 do Termo firmado. 4.7. Compreensível, nesse sentido, a percepção equivocada do consumidor de que estaria quitando progressivamente o débito mediante os descontos em sua folha de pagamento quando, em verdade, estava diante de um incremento e prolongamento indefinido do saldo devedor - tomando a dívida amplas proporções. 4.8. A assimetria informativa acerca da perenização da dívida por meio dos encargos é evidenciada nos autos considerando que o autor já pagou, até o momento da propositura da inicial, o montante de R$ 54.967,57, e ainda possui um débito de R$ 18.702,42, conforme fatura de julho de 2022, valores que, somados, são muito superiores ao contratado como empréstimo, através de saques no cartão, (R$ 23.750,40), o que caracteriza vantagem desproporcional para a instituição bancária. 4.9. Precedente da Casa: ?[...] O contrato não esclarece devidamente as condições da operação de crédito pessoal realizada por meio do cartão emitido pelo banco, especialmente a forma em que os encargos seriam aplicados ao saldo devedor e a quantidade de parcelas a serem pagas. 5. Constatada a onerosidade excessiva imposta contra o consumidor, em decorrência do aumento substancial do valor da dívida e a incerteza quanto ao período necessário para saldar o débito, deve ser aplicado o artigo 51, inciso IV, do CDC, de modo a reconhecer a nulidade das cláusulas contratuais abusivas e excessivamente desvantajosas à parte vulnerável da relação jurídica. [...]? (0727664-52.2021.8.07.0003, Rel: Ana Maria Ferreira da Silva, 3ª Turma Cível, DJE: 23/03/2023).  5. Da repetição do indébito em dobro. 5.1 De acordo com o parágrafo único do art. 42 do CDC, terá direito à repetição do indébito em dobro o consumidor cobrado em quantia indevida, salvo hipótese de engano justificável. 5.2. Veja: ?[...] 6. Pontue-se que, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC, o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. 7. A Corte Especial do c. STJ assentou que ?A restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que cobrou valor indevido, revelando-se cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva? (EAREsp 676608/RS, Corte Especial, Rel. Min. Og Fernandes)?. (07074641320208070018, Rel: Sandra Reves, 2ª Turma Cível, DJE: 01/11/2021). 5.3. No caso concreto, reconhecida a ilegalidade da cobrança de cartão de crédito consignado (RMC) e não demonstrado pelo banco réu engano justificável, impõe-se a restituição em dobro dos valores indevidamente pagos, descontando-se o valor recebido e utilizado pelo autor, a título de empréstimo, saques complementares e compras no cartão, sob pena de enriquecimento ilícito. 5.4. Com vistas a honrar os empréstimos realizados, deve ser aplicada a estrutura de juros dos empréstimos consignados, mais módica quando comparada à do cartão de crédito, mas dentro de uma taxa média praticada em mercado.  6. Dos danos morais. 6.1. Os danos morais, neste caso, se configuram in re ipsa. Assim, ?[...] Nas hipóteses de desconto indevido em conta que acarretem restrição a rendimentos de natureza alimentar, o abalo moral é in re ipsa, ou seja, presumido, por não depender de comprovação de determinado prejuízo psicológico sofrido, haja vista o recorrido ter comprometidos os meios inerentes à sobrevivência digna [...]? (07049989820198070012, Rel: Cesar Loyola, 2ª Turma Cível, PJe: 10/02/2021). 6.2. Em relação à fixação dos danos morais, devem ser consideradas as funções preventiva, pedagógica, reparadora e punitiva, bem como a vedação de enriquecimento ilícito. 6.3. O valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais) a título de indenização mostra-se razoável e suficiente para reparar os transtornos sofridos pelo apelante, ressaltando-se o potencial econômico do apelado, de modo que o valor indenizatório atende adequadamente à função pedagógica da condenação, sem implicar enriquecimento sem causa do recorrente.   7. Em razão do provimento do recurso, o apelado deve ser condenado ao pagamento dos honorários de sucumbência, os quais devem ser fixados em 10% sobre o valor da condenação, a ser apurado em liquidação de sentença, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC.  8. Apelo do banco réu improvido. 8.1. Apelo do autor provido.   
Decisão:
APELO DO BANCO RÉU IMPROVIDO. APELO DO AUTOR PROVIDO. UNÂNIME.
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