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Classe do Processo:
20150111257327APC - (0036599-41.2015.8.07.0001 - Res. 65 CNJ)
Registro do Acórdão Número:
975068
Data de Julgamento:
19/10/2016
Órgão Julgador:
1ª TURMA CÍVEL
Relator:
TEÓFILO CAETANO
Data da Intimação ou da Publicação:
Publicado no DJE : 07/11/2016 . Pág.: 226-249
Ementa:

DIREITO DO CONSUMIDOR. CIVIL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO NOVO. ADQUIRENTE. PESSOA JURÍDICA. LOCADORA DE VEÍCULOS. RELAÇÃO DE CONSUMO. CARACTERIZAÇÃO. VULNERABILIDADE JURÍDICA E FÁTICA. CONFIGURAÇÃO. TEORIA FINALISTA APROFUNDADA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA CONCESSIONÁRIA. AFIRMAÇÃO. PERTINÊNCIA SUBJETIVA COM OS FATOS E PEDIDO. DENUNCIAÇÃO À LIDE. INTERVENÇÃO DE TERCEIRO. IMPOSSIBILIDADE. PRESERVAÇÃO DOS DIREITOS BÁSICOS DO CONUMIDOR. FACILITAÇÃO DE ACESSO À JUSTIÇA E DE DEFESA DOS SEUS DIREITOS. NEGÓCIO. INTERMEDIAÇÃO POR EMPRESA ANUCIANTE NO SITE MERCADO LIVRE. TRATATIVAS E CIÊNCIA DA CONCESSIONÁRIA. ANUÊNCIA. EMISSÃO DA NOTA FISCAL EM NOME DA ADQUIRENTE. LEGÍTIMA EXPECTATIVA GERADA. PAGAMENTO EM CHEQUE POR TERCEIRO. DEVOLUÇÃO. CANCELAMENTO DA COMPRA E VENDA. IRREGULARIDADE. REVENDEDORA. FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. NEGLIGÊNCIA E AUSÊNCIA DE CAUTELA. INOBSERVÂNCIA DOS PROCEDIMENTOS AFETOS À NEGOCIAÇÃO. RISCO DA ATIVIDADE COMERCIAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. CONFIGURAÇÃO. PREJUÍZO FINANCEIRO DA CONSUMIDORA. PREÇO DO VEÍCULO VERTIDO A TERCEIRO FRAUDADOR. PREJUÍZOS MATERIAIS. COMPOSIÇÃO. JUROS DE EMPRÉSTIMO. NÃO ALCANCE. AUSÊNCIA DE LIAME CAUSAL. DANOS MORAIS. PESSOA JURÍDICA. OFENSA À HONRA OBJETIVA. INOCORRÊNCIA. MATÉRIA DE FATO CONTROVERTIDA. ESCLARECIMENTO. PROVA ORAL. INADEQUAÇÃO E INOCUIDADE. JULGAMENTO ANTECIPADO. NECESSIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.

1. O contrato, como fonte originária de direitos e obrigações, tem seu alcance subjetivo limitado às pessoas que a ele acorreram na condição de contratantes e seu alcance limitado pelo que está estampado no instrumento que retrata as condições que regulam o acerto de vontades do qual emergira, emergindo desses parâmetros que, assumindo a concessionária revendedora de veículos a condição de protagonista da relação mercantil, materializando o ajuste e emitindo o documento fiscal de compra e venda, ensejando a germinação de relação jurídica-material, resta por enlaçada ao negócio, devendo responder pelas obrigações e titularizar os direitos dele advindos, derivando da constatação a premissa de que está revestida de legitimação para ocupar a angularidade passiva da lide promovida por consumidora objetivando a indenização por danos materiais e morais advindos da falha havida no fornecimento.

2. Conquanto o legislador de consumo tenha incorporado a teoria finalista ao definir o consumidor e como critério para delimitação da natureza jurídica da relação jurídica (CDC, art. 2º), estabelecendo que somente se enquadra como consumidor o destinatário fático e econômico do produto ou serviço que coloca termo à cadeia produtiva, obstando que seja inserido na definição aquele - pessoa física ou jurídica - que adquire o produto ou serviço como simples insumo, reinserindo-os na cadeia produtiva, essa conceituação deve ser modulada de forma a permitir a qualificação casuística da pessoa jurídica destinatária do produto que se apresenta perante o fornecedor em condição de vulnerabilidade como consumidora, que se revela como princípio-motor da política de nacional das relações de consumo, conquanto destine o produto - veiculo novo - ao incremento de suas atividade social (art; 4º, I, do CDC).

3. Apurado que a pessoa jurídica contratante ostenta alguma das situações de vulnerabilidade consagradas na doutrina, quais sejam, a técnica (ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço), jurídica (falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo) e fática (situações que colocam o adquirente do produto ou serviço em desigualdade frente ao fornecedor), afigura-se legítima sua conceituação como consumidora equiparada de forma a ensejar a qualificação como de consumo o contrato de compra e venda que firmara e tivera como objeto a aquisição de produto destinado ao fomento e desenvolvimento de suas atividades comerciais, devendo, à guisa da situação de desvantagem fática, o vínculo jurídico-obrigacional, mediante temperamento da Teoria Finalista - finalismo aprofundado - ser qualificado como relação de consumo.

4. Conquanto o sistema processual brasileiro autorize o exercitamento do direito de regresso através da denunciação à lide nas hipóteses expressamente ressalvadas, em se tratando de ação originária de relação de consumo o instituto deve ser interpretado de forma ponderada com os princípios informadores da legislação de consumo, que, cediço, compreendem a facilitação da defesa dos direitos do consumidor e do acesso à justiça, que inexoravelmente alcançam a rápida solução do litígio, tornando inviável a intervenção de terceiros (CDC, arts. 6º, VIII, e 88).

5. Emergindo a pretensão formulada pela consumidora da imputação de defeito havido no fornecimento do produto por parte da concessionária revendedora de veículos novos, cuja responsabilidade ostenta natureza objetiva, cuja apuração independe da aferição de culpa, a formação de lide secundária no curso da demanda, mediante a denunciação à lide que agrega fato jurídico novo a ser dirimido, afetando a celeridade processual e dificultando a obtenção do pronunciamento almejado pela consumidora, deve ser refutada como forma de serem privilegiadas as garantias resguardadas ao hipossuficiente pelo legislador de consumidor, notadamente quando da rejeição da instauração da lide secundária não advém prejuízo ao direito material ostentado pela fornecedora em face de terceiros.

6. Emergindo dos elementos coligidos a certeza de que o processo restara devidamente guarnecido do aparato material indispensável à elucidação das pretensões formuladas, resulta que o indeferimento de prova oral desprovida de qualquer utilidade, pois inapta a subsidiar a elucidação da controvérsia, ainda que postulada tempestivamente, se conforma com o devido processo legal, obstando que seja qualificado como cerceamento de defesa, inclusive porque o Juiz, como destinatário final da prova, está revestido de poder para dispensar aquelas reputadas desnecessárias por já estarem os fatos devidamente aparelhados, consubstanciando o indeferimento de medidas inúteis ao desate da lide sob essa moldura expressão do princípio da livre convicção e da autoridade que lhe é resguardada pelo artigo 130 do estatuto processual de 1973.

7. A concessionária revendedora de veículos, na condição de fornecedora de produtos e serviços, deve velar pela legitimidade dos negócios jurídicos que concerta, inserindo-se nos riscos inerentes às atividades fomentadas sua responsabilização pela realização de instrumento contratual de compra e venda lastreado em tratativas inidôneas entabulada com terceiros fraudadores, que, assumindo o pagamento do preço, emitem cheque desprovido de fundos que enseja o posterior cancelamento do negócio regularmente entabulado com a consumidora, que, fiada na anuência da fornecedora, transmite o equivalente ao preço ao terceiro que participara da negociação com sua aquiescência e aval.

8. Assistindo à concessionária de veículos o dever precípuo de se resguardar dos riscos inerentes à atividade comercial exercida, confirmando a lidimidade das negociações que entabula, a idoneidade das pessoas envolvidas junto aos órgãos de proteção ao crédito especializados, e, sobretudo, a origem/regularidade da cártula de cheque dada em pagamento e emitida por terceiro estranho à compra e venda, possibilitando que, à guisa de sua negligência, se consume conduta criminosa praticada por terceiros fraudadores que ocasionam danos à consumidora ao ver frustrada a compra que realizara e transmissão do preço ao interveniente autorizado pela vencedora, resta por configurada a falha na prestação dos serviços e no fornecimento do produto pela falta de diligência e cautela incorrida na fase preambular que antecedera a formalização do vínculo.

9. Configurada a conduta irregular da concessionária de veículo diante a negligência nos procedimentos comerciais internos adotados, permitindo a consumação de conduta criminosa praticada por terceiros, culminando com a precipitada emissão da competente nota fiscal de compra e venda em nome da consumidora sem antes confirmar a efetivação da compensação do cheque dado em pagamento pelo terceiro intermediador, torna-se responsável pelas consequências lesivas oriundas do havido e da frustração da compra após desembolso do preço pela adquirente, tanto mais porque sua responsabilidade, como fornecedora, é de natureza objetiva, independendo sua germinação da perquirição da culpa, realizando-se tão somente com a verificação da ocorrência das falhas nos serviços que fornece, os danos experimentados pelo consumidor e o nexo de causalidade enlaçando-os.

10. Apurada a falha na prestação dos serviços da concessionária revendedora que, olvidando-se dos deveres que lhe estão afetos, deixa de conferir a legitimidade dos dados que lhe são fornecidos por terceiro intermediário da compra e venda, e, após ajustado todos os detalhes do negócio junto ao terceiro e identificado o suposto crédito do valor do veículo em sua conta corrente bancária, anui para com o negócio e o formaliza emitindo a competente nota fiscal de compra e venda, irradiando à consumidora, assim, a falsa expectativa de que o negócio havia sido concretizado, deve ser impelida a compor os prejuízos experimentados, ressarcindo o consumidor do numerário vertido ao intermediário destinado ao pagamento do preço do veículo, cuja venda é posteriormente cancelada pela concessionária, devendo, contudo, ser decotado da composição indenizatória o valor recuperado pela autoridade policial e restituído à consumidora vitimada.

11. O dano material cinge-se ao que o lesado pelo ilícito perdera ou deixara razoavelmente de lucrar (CC, art. 402), não alcançando verbas desprovidas de causa subjacente, derivando que mera alegação no sentido de que experimentara a consumidora afetada pela falha em que incidira a fornecedora prejuízo econômico decorrente do pagamento de juros de empréstimo bancário - contratado de forma autônoma e por livre e espontânea vontade para a aquisição do veículo - é impassível de ser assimilada como legitimadora de qualquer composição, porque desvinculada da conduta ilícita que a alcançara, rompendo o liame causal apto a qualificar a responsabilidade civil da protagonista do ilícito (CC, arts. 186 e 927).

12. A pessoa jurídica, sendo sujeita de deveres e obrigações e provida de credibilidade e nome comercial, é passível de experimentar dano de natureza moral, cuja caracterização está plasmada na noção da honra objetiva, que está inserida no conceito e prestígio que a criação jurídica erigira e usufrui perante a praça em que desenvolve suas atividades, transmudando-se em nítido diferencial e fator determinante do sucesso do empreendimento que integra seu objeto social (STJ, Súmula 227), resultando que, sob essa moldura jurídica, conquanto afetada por ato ilícito, se dele não adviera nenhuma afetação na sua honra objetiva, não experimentando ofensa em seu conceito e credibilidade comerciais, não se divisa a origem genética do dano extrapatrimonial indenizável.

13. Apelações conhecidas. Preliminares rejeitadas. Desprovido o recurso da autora. Parcialmente provido o da ré. Sentença parcialmente reformada. Unânime.
Decisão:
CONHECER DOS APELOS, REJEITAR A(S) PRELIMINAR(ES) E, NO MÉRITO, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DA AUTORA E DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DA RÉ, UNÂNIME
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