JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL NA PLANTA. FALTA DE INFORMAÇÃO SOBRE A NECESSIDADE DE AQUECEDOR A GÁS PARA OS CHUVEIROS. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA TRANSPARÊNCIA E TUTELA DA INFORMAÇÃO. OCORRÊNCIA DE DOLO ACIDENTAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. INEXISTÊNCIA DE FATO IMPEDITIVO, MODIFICATIVO OU EXTINTIVO DO DIREITO DO AUTOR. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.
1.A controvérsia deve ser dirimida com atenção às normas elencadas na Lei n. 8.078/1990, pois as partes envolvidas adequam-se aos conceitos de consumidor e fornecedor nela previstos. A relação contratual em referência deve ser pautada nos princípios da transparência/tutela da informação qualificada e boa-fé objetiva, sendo direito do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, por força do contido no art. 6º, inciso VIII, do CDC.
2.Vigora no ordenamento jurídico pátrio o princípio da boa-fé objetiva, que permeia todos os negócios jurídicos do começo ao término do contrato. Sendo que tal princípio tem como escopo, impor às partes contratantes deveres correlatos ao pacto firmado, ou seja, os deveres de lealdade, esclarecimento e de informação. Assim, temos que a boa-fé exerce o papel de fonte geradora de obrigações para com à prestação principal.
3.No presente caso, o autor alega que ao celebrar contrato de compra e venda com a Construtora/Incorporadora, não foi informado, em momento anterior à assinatura do contrato, sobre a necessidade de aquisição de aparelho individual a gás para aquecimento da água dos chuveiros. Tendo sido informado, pelos prepostos da ré, sobre a referida situação somente no momento que pegou as chaves do imóvel, ocasião em que também descobriu que esse era o único meio para o aquecimento da água dos chuveiros.
4.O Código de Defesa do Consumidor, sobretudo em seu art. 4º, caput, tem como um de seus objetivos proteger a transparência e harmonia das relações de consumo, possibilitando a aproximação contratual mais sincera e menos danosa entre consumidor e fornecedor. Assim, deve-se entender como "transparência" a informação clara, exata e correta sobre o produto que está sendo oferecido.
5.Portanto, como se vê, a tutela da transparência e da confiança constitui um desdobramento da incidência da boa-fé objetiva nas relações consumeristas, como ensina Flávio Tartuce (Manual de Direito do Consumidor, 2012, pág. 39). Tem-se, então, que a falta de informações ao consumidor, em momento anterior à celebração do contrato, e, posteriormente, deixando de informar que era necessária a aquisição individual de aparelho de aquecimento a gás, fere os princípios da transparência e da tutela da confiança, ofendendo os direitos do consumidor e gerando, como consequência, a condenação do réu a restituir ao autor o prejuízo patrimonial suportado.
6.Por outro lado, tem-se ainda, no caso, a ocorrência de conduta dolosa, decorrente da omissão. Sabe-se que o dolo é o meio utilizado por uma das partes para levar a outra à realização de um negócio que não lhe é favorável, e diz-se que há dolo acidental quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora de outro modo.
7.Assim, na hipótese, as rés/recorrentes, ao não informarem ao autor que a aquisição de aparelho a gás era o único meio para aquecimento da água dos chuveiros, agiram com dolo acidental, ou seja, se omitiram com a intenção de enganar o recorrido e obter vantagem para si, sendo acidental pois a compra do apartamento aconteceria independentemente da informação sobre o sistema de aquecimento da água. Portanto, deve a Construtora/Incorporadora ressarcir o autor pelo dano material, nos termos do art. 146 do Código Civil.
8.Ressalta-se, também, que o recorrente não se desincumbiu do ônus de provar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, como determina o art. 333, II, do CPC, deixando de demonstrar que houve qualquer informação prévia de que a compra e instalação do sistema de aquecimento a gás deveria ser adquirido pelo proprietário.
9.Diante da ofensa ao princípio da transparência e da ocorrência de dolo acidental, deve ser mantida a sentença que julgou procedente o pedido inicial, condenando as rés/recorridas ao pagamento em favor do recorrente da quantia de R$ 1.800,00 (mil e oitocentos reais) a título de danos materiais, corrigida monetariamente desde a data do desembolso e acrescida de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação.
10.Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida.
11.Condenada a parte recorrida ao pagamento das custas processuais adicionais, se houver, e honorários advocatícios, estes últimos arbitrados 20% sobre o valor da condenação, a teor do que dispõe o art. 55 da Lei n.º 9.099/95.
12.A súmula de julgamento servirá como acórdão, conforme regra do art. 46 da Lei dos Juizados Especiais Estaduais Cíveis e ainda por força dos artigos 12, inciso IX, 98, parágrafo único e 99, do Regimento Interno das Turmas Recursais.
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Acórdão 906412, 20151410053607ACJ, Relator(a): ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 17/11/2015, publicado no DJE: 19/11/2015. Pág.: 305)