JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. CADEIA DE FORNECIMENTO. SOLIDARIEDADE. FATO DO PRODUTO. AQUISIÇÃO DE PRODUTO ALIMENTÍCIO COM CORPO ESTRANHO. EXPOSIÇÃO A RISCO DE LESÃO À SAÚDE. DANO MORAL. CONFIGURADO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. PRELIMINAR REJEITADA. 1. Acórdão lavrado de acordo com a disposição inserta nos artigos 2º e 46, da Lei 9.099, de 26.09.1995 e artigo 60, §§ 1º e 2º, do Regimento Interno das Turmas Recursais. Presentes os pressupostos específicos, conheço do recurso. 2. Recurso inominado interposto pela ré COCAL CEREAIS contra a sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos para condenar os réus, solidariamente, à restituição de R$ 18,99 e ao pagamento de R$ 2.000,00, por danos morais. 3. Nas razões recursais, a ré/recorrente suscita preliminar de incompetência absoluta, diante da complexidade da causa, ante a necessidade da realização de prova pericial, incompatível com o rito sumaríssimo, sob o risco de cerceamento de defesa. No mérito, alega a ausência de nexo causal entre eventual conduta de sua parte e os danos reclamados neste feito, oriundos de suposta existência de corpo estranho (larvas) no interior do pacote do produto por ela produzido (arroz da marca Dona Xepa), de modo a elidir sua responsabilidade. Subsidiariamente, pugna pela condenação exclusiva do réu/recorrido (MERCADO BRANDAO LTDA.), por lhe caber a armazenagem e o acondicionamento do produto. 4. Contrarrazões da autora/recorrida ao ID 53025523. 5. Sem razão quanto à preliminar de incompetência dos Juizados, por suposta complexidade da causa, a demandar perícia. Aqui, despicienda a produção de prova técnica, considerando que o arcabouço probatório coligido aos autos é bastante para a análise das questões controvertidas. Preliminar rejeitada. 6. A relação jurídica estabelecida entre as partes é de natureza consumerista, devendo a controvérsia ser solucionada sob a ótica do sistema jurídico autônomo instituído pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990). 7. No âmbito das relações de consumo, os fornecedores/fabricantes de produto respondem objetivamente pelos danos causados ao consumidor, somente sendo excluída tal responsabilidade quando provada a não colocação do produto no mercado, a inexistência do defeito, a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (art. 12, caput e § 3º, do CDC). 8. Ao exame do caderno processual, especialmente da nota fiscal, das fotos e mídias de vídeo (ID 53024021, 53024022 e 53024023, 53024024), verifica-se a aquisição de produto alimentício impróprio ao consumo humano, infestado de corpos estranhos (larvas) e sem, ao menos, indicação da data de validade. Dessa maneira, tem-se por configurado o ato ilícito na hipótese. 9. Remansosa a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça quanto à caracterização de dano moral ?in re ipsa? pela aquisição de produto alimentício impróprio para consumo, confira-se: ?RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. AQUISIÇÃO DE ALIMENTO (PACOTE DE ARROZ) COM CORPO ESTRANHO (CONGLOMERADO DE FUNGOS, INSETOS E ÁCAROS) EM SEU INTERIOR. EXPOSIÇÃO DO CONSUMIDOR A RISCO CONCRETO DE LESÃO À SUA SAÚDE E INCOLUMIDADE FÍSICA E PSIQUÍCA. FATO DO PRODUTO. INSEGURANÇA ALIMENTAR. EXISTÊNCIA DE DANO MORAL MESMO QUE NÃO INGERIDO O PRODUTO. (...). 6. Ao fornecedor incumbe uma gestão adequada dos riscos inerentes a cada etapa do processo de produção, transformação e comercialização dos produtos alimentícios. Esses riscos, próprios da atividade econômica desenvolvida, não podem ser transferidos ao consumidor, notadamente nas hipóteses em que há violação dos deveres de cuidado, prevenção e redução de danos. 7. A presença de corpo estranho em alimento industrializado excede aos riscos razoavelmente esperados pelo consumidor em relação a esse tipo de produto, sobretudo levando-se em consideração que o Estado, no exercício do poder de polícia e da atividade regulatória, já valora limites máximos tolerados nos alimentos para contaminantes, resíduos tóxicos outros elementos que envolvam risco à saúde.8. Dessa forma, à luz do disposto no art. 12, caput e § 1º, do CDC, tem-se por defeituoso o produto, a permitir a responsabilização do fornecedor, haja vista a incrementada - e desarrazoada - insegurança alimentar causada ao consumidor. 9. Em tal hipótese, o dano extrapatrimonial exsurge em razão da exposição do consumidor a risco concreto de lesão à sua saúde e à sua incolumidade física e psíquica, em violação do seu direito fundamental à alimentação adequada. 10. É irrelevante, para fins de caracterização do dano moral, a efetiva ingestão do corpo estranho pelo consumidor, haja vista que, invariavelmente, estará presente a potencialidade lesiva decorrente da aquisição do produto contaminado. 11. Essa distinção entre as hipóteses de ingestão ou não do alimento insalubre pelo consumidor, bem como da deglutição do próprio corpo estranho, para além da hipótese de efetivo comprometimento de sua saúde, é de inegável relevância no momento da quantificação da indenização, não surtindo efeitos, todavia, no que tange à caracterização, a priori, do dano moral. (...)?. (REsp 1899304/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25/08/2021, DJe 04/10/2021). 10. A fixação do valor a título de dano moral deve levar em conta critérios doutrinários e jurisprudenciais, tais como o efeito pedagógico e inibitório para o ofensor e a vedação ao enriquecimento sem causa do ofendido ou empobrecimento do ofensor. Ainda, a indenização deve ser proporcional à lesão à honra, à moral ou à dignidade do ofendido, às circunstâncias que envolvem o fato, às condições pessoais e econômicas dos envolvidos, e à gravidade objetiva do dano moral. Nesse ínterim, sob tais critérios, entendo adequado o valor fixado na origem. 11. Cumpre acentuar a solidariedade entre os réus pelos danos sofridos pela autora/recorrida, pois componentes da cadeia de fornecimento, consoante art. 7º, parágrafo único, do CDC. Consigne-se que eventual discussão acerca da culpa deve ser relegada à ação regressiva. 12. Recurso conhecido e não provido. Preliminar rejeitada. Sentença mantida pelos seus próprios fundamentos. 13. Condeno a parte recorrente ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 20% sobre o valor da condenação, a teor do art. 55 da Lei 9.099/95.