APELAÇÃO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER C/C DANOS MORAIS. PRELIMINARES. INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL. NULIDADE DA SENTENÇA. AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. REJEIÇÃO. VÍDEO COMPARTILHADO NA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. INFORMAÇÕES INVERÍDICAS. FAKE NEWS. ABUSO DE DIREITO. OFENSA À HONRA OBJETIVA. PESSOA JURÍDICA. PARTIDO POLÍTICO. PT - PARTIDO DOS TRABALHADORES. DANOS MORAIS. CONFIGURAÇÃO. VALOR DA REPARAÇÃO. REDUÇÃO. INVIABILIDADE. VALOR FIXADO COM RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. 1. Ante a rejeição da preliminar de incompetência territorial por decisão precluída, não há como reapreciar a matéria (CPC, art. 507). 2. Sob pena de admitir-se o comportamento contraditório, a parte que pediu o cancelamento da audiência de conciliação não pode suscitar preliminar de nulidade pela sua não realização. 3. Não tendo sido requerida a produção de prova oral, não há que se falar em cerceamento de defesa pelo seu suposto indeferimento. 4. A imagem e o som contidos no vídeo com mensagem ofensiva não deixam dúvidas de que foi gravado com o intuito de tornar público o seu conteúdo para fins de dissuasão e de persuasão políticas, inexistindo a alegada culpa exclusiva de terceiro pela sua produção e/ou divulgação. Não houve, sequer, denunciação da lide. 5. A Constituição Federal garante a todos o direito de liberdade de manifestação de pensamento, vedando apenas o anonimato. Esse direito não pode sofrer qualquer forma de controle ou limitação de divulgação (CF, art. 220, § 2º), salvo se houver violação de normas ou outros direitos constitucionalmente protegidos. 6. ?A liberdade de expressão é não só uma componente essencial dos regimes democráticos, como o grau de democraticidade de um Estado pode ser razoavelmente aferido através do grau efetivo de liberdade de expressão de que gozam seus cidadãos.? (Francisco Teixeira da Mota. A liberdade de expressão em tribunal. Lisboa: FFMS, 2013, p. 11). 7. ?Liberdade de expressão não é liberdade de agressão! Liberdade de expressão não é liberdade de destruição da democracia, das instituições e da dignidade e honra alheias! Liberdade de expressão não é liberdade de propagação de discursos mentirosos, agressivos, de ódio e preconceituosos!? (STF, Petição 10.474 - Distrito Federal. Relator: Min. Alexandre de Moraes, 20/07/2022). 8. A liberdade de expressão não se estende à divulgação de notícias inverídicas. 9. A garantia constitucional da liberdade de expressão é o direito de expor uma opinião. A garantia da liberdade de informação ou de imprensa é o direito de divulgar um fato verdadeiro na Imprensa. A garantia da liberdade de criação é o direito de inventar ?fatos? no campo restrito das Artes, da ficção, de que é exemplo o realismo fantástico de Gabriel García Marquez, de Jorge Luís Borges, de Machado de Assis, de Murilo Rubião, de Jorge Amado, de Franz Kafka. 10. O direito de criação e de expressão da atividade artística comporta a ?invenção da verdade? e tem proteção constitucional (CF, art. 5º, IX). Fora das Artes, a invenção e divulgação de fatos falsos não tem proteção constitucional. No Brasil, nunca teve. É o que se chama fake news. 11. Imputar fato falso que ofende a dignidade, o decoro, a honra subjetiva e objetiva de outrem, é crime há, pelo menos, quinhentos anos. Mudaram, nesses cinco séculos, detalhes da tipologia, mantendo-se a essência: Ordenações Filipinas (Título 84), Código Criminal do Império, de 1831 (Arts. 229-235 e 240-246), Código Penal de 1890 (Arts. 315, 316, 321, 323 a 325), Consolidação das Leis Penais do Brasil, de 1932 (Arts. 315-321), Código Penal de 1940 (Arts. 138 a 140). 12. Fake news é uma praga tão nociva quanto o vírus da covid-19. Identificar e combater notícia falsa é um compromisso da humanidade para o qual o Poder Judiciário é ator relevantíssimo e indispensável, cabendo-lhe separar o que é direito do que é simulacro de direito ou abuso de direito. 13. Cabe ao Poder Judiciário punir e reprimir aquele que cria e/ou divulga notícia falsa (fake news); aquele que, ?sem saber o que é Direito, faz as suas próprias leis? (Roberto Carlos). 14. ?Na colisão de direitos fundamentais, após a análise do caso concreto, deve-se resolver o conflito com a aplicação do princípio da concordância prática, também denominado de princípio da ponderação dos valores em jogo.? Precedente. 15. Quando são rompidos os parâmetros de civilidade, que diferenciam a sociedade civilizada de uma alcateia, cabe ao Poder Judiciário, por natureza uma conquista e uma garantia contínua do processo civilizacional, impedir que o homem seja o lobo do próprio homem (Lupus est homo homini lupus). Fake news é uma violação dos padrões de civilidade. 16. A pessoa jurídica tem o direito de proteger a sua honra objetiva, cuja violação é passível de reparação civil, desde que extrapole a barreira dos meros dissabores e qualifique-se como dano moral (STJ, Súmula 227). 17. A divulgação de informação falsa de que o partido político (PT - Partido dos Trabalhadores) atuou contra as vítimas de violência sexual, com o fim específico de dissuadir eleitores a votarem em seus filiados, acarreta dano moral passível de indenização. 18. ?O valor da indenização por dano moral pode variar bastante. É que o bem violado é imaterial (direito da personalidade) e, portanto, insuscetível de uma reparação integral. O valor pecuniário da indenização apenas se destina a atenuar a lesão extrapatrimonial. O arbitramento não pode ser tão alto a ponto de expor o causador do dano a um ?inferno de severidade? nem tão baixo de tal modo a estimular reincidências. (...) A função punitiva e preventiva da indenização por dano moral é levada em conta no exame da culpabilidade do agente e da situação econômica do ofensor: quanto mais reprovável a conduta do agente e quanto maior a sua condição econômica, maior deve ser o valor da indenização por dano moral.? (Carlos E. Elias de Oliveira e João Costa-Neto. Direito Civil, Volume Único. Rio de Janeiro: Método, Forense, 2022, p. 877) 19. Não comporta redução a indenização por danos morais arbitrada em valor razoável e proporcional às particularidades do caso e que atende ao caráter pedagógico e preventivo da medida. 20. Preliminares rejeitadas. Recurso conhecido e não provido.