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Classe do Processo:
20130111849748APC - (0047059-58.2013.8.07.0001 - Res. 65 CNJ)
Registro do Acórdão Número:
1152192
Data de Julgamento:
13/02/2019
Órgão Julgador:
5ª TURMA CÍVEL
Relator:
MARIA IVATÔNIA
Data da Intimação ou da Publicação:
Publicado no DJE : 22/02/2019 . Pág.: 424/428
Ementa:

APELAÇÃO. DIREITO DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. ERRO MÉDICO. DEMORA NO DIAGNÓSTICO DE APENDICITE. NEGLIGÊNCIA NO TRATAMENTO CLÍNICO DISPENSADO NO PÓS OPERATÓRIO. NEXO DE CAUSALIDADE. COMPROVAÇÃO. DEVER DE INDENIZAR. DANOS MORAIS. CONFIGURAÇÃO. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. DANO ESTÉTICO. CICATRIZ INERENTE AO PROCEDIMENTO CIRÚRGICO NECESSÁRIO. IMPROCEDÊNCIA.

1. Sob uma análise exclusivamente clínica determinadas queixas podem, a princípio, não indicar nada mais grave. No entanto, especialmente diante do relato de que o conjunto de dores era intenso e não cessava desde o dia anterior, essa circunstância deveria chamar a atenção para uma averiguação mais precavida.

2. Mesmo que naquela situação o exame clínico não fosse por si só sugestivo de alguma doença, as circunstâncias relatadas exigiam do profissional especializado uma maior investigação quanto à causa dos sintomas, requerendo, por exemplo, um simples e rápido exame laboratorial para que naquele momento se pudesse descartar qualquer evidência mais séria. Afinal, o dever de tomar as precauções devidas e colher as informações necessárias para o adequado atendimento e tratamento do paciente é ínsito à sua atividade profissional. E embora não seja uma ciência exata, a medicina trabalha com probabilidades, levantando evidências e considerando possibilidades. Nesse campo, quanto maior o aprofundamento, quanto maior o número de dados e informações de que se dispõe, mais eficiente será o diagnóstico e menores serão as chances de erro.

3. Desse modo, incumbia ao profissional médico prestar o melhor e o mais eficiente serviço, realizando um atendimento completo e minucioso possível, ainda que o resultado final não fosse garantido, e não apenas adotar medidas paliativas tratando o sintoma imediato com remédios para alívio momentâneo de dor e vômito.

4. Não prospera, assim, a tentativa dos apelados de associarem a falta de diagnóstico com possível demora no surgimento dos sinais indicativos da apendicite. O erro de conduta técnica recai justamente na falta de utilização mínima dos recursos disponíveis para a detecção do mal e exclusão de possíveis enfermidades. E no caso, a dilação probatória trouxe elementos suficientes para evidenciar que, no mínimo, existiu uma conduta médica pouco cautelosa onde nenhuma investigação foi adotada, contribuindo para o retardo no diagnóstico e tratamento da apendicite. Precedentes.

5. Apesar de algumas constatações existentes nos autos, não há uma evidência concreta de que o apêndice do apelado realmente estava perfurado, e que, portanto, era absolutamente contraindicada a realização cirurgia cirúrgica por videolaparoscopia. No entanto, é certo que a sua utilização em casos de apendicite aguda complicada exige enormes cuidados antes, durante e após a intervenção cirúrgica, assim como um acompanhamento mais rigoroso visando evitar possíveis complicações.

6. Na hipótese dos autos, consta do prontuário médico que, no período pós operatório, o paciente reclamava constantemente de desconforto abdominal e no trato digestivo, verificando-se ainda nos relatórios médicos a indicação de que havia sinais de irritação peritoneal, o que por si só exigiria uma investigação mais profunda. Todavia, não foi apresentado nenhum tipo de exame que tenha sido solicitado ou realizado pelo apelante durante o período em que ficou internado, limitando-se os apelados a informar que o paciente apresentou evolução clínica satisfatória e que não localizaram nenhum exame. A despeito disso, o apelante recebeu alta hospitalar.

7. Apesar das queixas apresentadas e do fato da irritação peritoneal já ser um sinal de possível inflamação, também não há comprovação de que o paciente tenha sido contatado após o resultado do exame histopatológico confirmando a peritonite ou de que tenha sido adotada alguma medida de cuidado tendente à averiguação mais aprofundada do seu estado de saúde, mesmo sendo reconhecida eventual possibilidade de evolução com abscesso.

8. O conjunto probatório dos autos revela que houve, portanto, negligência dos apelados no período pós operatório, gerando novamente o retardo do possível diagnóstico e da posterior intervenção cirúrgica, o que pesou significativamente contra a saúde do paciente.

9. Diante disso, considerando todas as circunstâncias do caso (art. 436 do CPC/1973; art. 479 do CPC/2015), tem-se como provada a negligência no tratamento clínico dispensado ao paciente, tanto no primeiro atendimento em que foi medicado e liberado sem maiores cuidados, culminando com o retardo no possível diagnóstico da doença, e principalmente no pós operatório da primeira cirurgia, quando não demonstrado qualquer acompanhamento mais aprofundado e cauteloso, ignorando as suas possíveis complicações, o que contribuiu para a evolução da infecção.

10. Na esfera extrapatrimonial, são evidentes os sofrimentos experimentados pelos apelantes, que não decorrem do simples fato da doença, mas das complicações oriundas do retardo nos diagnósticos em razão da conduta culposa dos apelados (erro médico omissivo), propiciando o agravamento significativo do estado de saúde do paciente com a difusão do processo infeccioso.

11. A doença e a dor, por si só, fragilizam o ser humano, deixando-o em posição sensível, sentimentos que foram especialmente agravados em virtude da negligência no atendimento e tratamento clínico recebidos, o que afetou diretamente os direitos da personalidade do paciente e, por reflexo, da sua esposa, que conjuntamente vivenciou toda a situação, causando-lhes abalo moral.

12. O valor do dano moral tem o escopo de atender a dupla função: reparar o dano, buscando minimizar a dor da vítima e punir o ofensor para que não volte a rescindir. No caso dos autos, considerando todos os acontecimentos comprovados, tem-se como razoável a sua fixação em R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para o paciente e R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para sua esposa, quantia que não se mostra exorbitante a ponto de proporcionar o enriquecimento sem causa, nem ínfima a tornar insuficiente a reparação.

13. Conforme entendimento sumulado do STJ (Súmula 362) "a correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento", momento em que se tornou líquido o quantum indenizatório.

14. A responsabilidade civil por erro médico em razão de falha na prestação do serviço, da qual derivou os danos causados aos apelantes, é de natureza contratual, razão pela qual os juros moratórios devem incidir a partir da data da citação. Precedentes do STJ.

15. Embora frutos da responsabilidade civil, as pretensões de reparação por danos morais e estéticos apresentam pressupostos distintos, tanto que passível a sua cumulação (Súmula 387 do STJ). Na hipótese dos autos, apresar de reconhecido o dano moral causado aos apelados em virtude de negligência no tratamento clínico dispensado ao paciente, a cicatriz resultante da cirurgia realizada não pode ser enquadrada como uma "lesão" decorrente de ato ilícito atribuível à equipe médica.

16. É incontroverso que, em razão da doença apresentada e do estado de saúde do paciente, a videolaparoscopia não era recomendada naquela ocasião, uma vez que imprescindível o acesso à cavidade abdominal. E no caso, como já mencionado, não foi evidenciado erro médico na realização da própria intervenção cirúrgica, nem demonstrado excesso de vestígio característico de imperícia ou ainda permanente mitigação da pessoa se servir de seu corpo de forma eficiente.

17. Desse modo, conforme destacado no laudo pericial, a cicatriz apontada como causa do "dano estético", decorrente de incisão mediana, é inerente ao próprio procedimento cirúrgico (laparotomia exploradora), cuja realização foi necessária para o tratamento da patologia apresentada pelo apelante.

18. Recurso conhecido e parcialmente provido.
Decisão:
JULGAMENTO NOS TERMOS DO ART. 942, NCPC. CONHECER. DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO NOS TERMOS DO VOTO DA RELATORA. POR MAIORIA, VENCIDOS 1º E 3º VOGAIS.
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