APELAÇÃO. PENAL. PROCESSO PENAL. AMEAÇA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS. CONSENTIMENTO DA VÍTIMA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSENTE O DOLO DE DESOBEDIÊNCIA. LESÃO CORPORAL. VIAS DE FATO. FURTO. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. MATERIALIDADE E AUTORIA. CONJUNTO PROBATÓRIO COERENTE E HARMÔNICO. PALAVRA DA VÍTIMA. ESPECIAL RELEVO. PALAVRA DOS POLICIAIS. LAUDO DE EXAME DE CORPO DE DELITO. PRESCINDÍVEL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA CONTRAVENÇÃO PENAL DE VIAS DE FATO. IMPOSSIBILIDADE. CONTINUIDADE DELITIVA. REQUISITOS. 1. Comprovadas a autoria e a materialidade dos crimes de lesão corporal (art. 129, § 13 do CP); ameaça (art .147 do CP); descumprimento de medidas protetivas (24-A da Lei nº 11.340/2006); vias de fato (art. 21 do Decreto-Lei nº 3.688/41) e furto (art. 155 do CP), por meio de conjunto probatório sólido, não procede o pedido de absolvição por ausência de provas. 2. Nos crimes praticados em situação de violência doméstica contra a mulher, geralmente cometidos às escondidas e sem a presença de testemunhas, a palavra da vítima assume especial relevo, revestindo-se de significativo valor probatório - em especial quando corroborada por outros elementos de prova. 3. O laudo de exame de corpo de delito é somente um dos meios de prova aptos a demonstrar as lesões corporais, mormente em se tratando de violência doméstica, porquanto possível a comprovação por outros meios, como fotografias, laudos médicos ou prova testemunhal. 3.1. Restando suficientemente comprovado ter o réu agredido a vítima e nela prococado lesões corporais, espelhadas em fotografias nas 2ª e 4ª sequencia dos fatos, resta caracterizada a prática do crime de Lesão Corporal, inviabilizando a desclassificação para o delito de Vias de Fato. 4. O delito previsto no art. 147 do Código Penal é de natureza formal e, como tal, sua consumação pode ocorrer mediante o emprego de palavras, escritos, gestos, ou qualquer outro meio pelo qual o agente prediz a sua intenção de causar mal grave e injusto à vítima. Engloba, ainda, intimidações implícitas ou veladas, sendo prescindível a referência específica ou detalhada de um mal injusto ou grave. A configuração do delito tampouco exige ânimo calmo e refletido, ou o real propósito, por parte do agente, de concretizar o que foi prometido. 5. O descumprimento de medidas protetivas, tipo penal previsto no art. 24-A da Lei nº 11.340/06, se consuma quando o sujeito realiza a conduta proibida (forma comissiva) ou deixa de realizar a conduta (forma omissiva) determinada na decisão judicial, da qual tinha ciência inequívoca. Trata-se, portanto, de crime formal, o qual se consuma com o mero descumprimento das determinações judiciais, como ocorreu nas últimas sequencias delitivas. 6. No entanto, o entendimento recente do STJ aponta no sentido de que, ?em razão da intervenção mínima do Direito Penal, e em observância aos critérios da fragmentariedade e subsidiariedade, o descumprimento das medidas protetivas com o consentimento da vítima afasta eventual lesão ao bem jurídico tutelado, tornando o fato atípico?. A retomada do relacionamento ocorrida entre a 1ª e 2ª sequência de crimes é, portanto, suficiente para absolver o réu de uma das imputações referentes ao art. 24-A da Lei nº 11.340/06. 7. Dentro do contexto de diversas agressões e ameaças, tendo em vista a invasão à residência da vítima com o nítido descumprimento das medidas protetivas, há de se considerar que o depoimento da ofendida, sob o crivo do contraditório, é seguro e conclusivo no sentido de confirmar a responsabilidade criminal do acusado em relação a conduta de subtrair o aparelho celular da vítima, nos termos do art. 155 do Código Penal. 8. Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória. 8.1. Ao estabelecer o quantum indenizatório, deve o julgador observar a condição da vítima, bem como a intensidade de seu sofrimento. De igual modo, deve analisar a situação econômica do ofensor, a gravidade e a repercussão do fato. Em todo caso, tratando-se apenas de valor mínimo, não há óbice para a complementação do montante na esfera cível. 9. É firme a jurisprudência dos Tribunais Superiores no sentido de que, para a caracterização da continuidade delitiva prevista no art. 71, caput, do Código Penal, é imprescindível o preenchimento dos requisitos de ordem objetiva - mesmas condições de tempo, lugar e forma de execução - e subjetiva - unidade de desígnios ou vínculo subjetivo entre os eventos. 9.1. A sequência de crimes praticadas em dias diferentes (intervalo de quase um mês entre os delitos), por motivos diversos, em circunstâncias diferentes e com modos de execução também divergentes, atende aos requisitos do concurso material, devendo as respectivas penas serem somadas, e não exasperadas. 10. Em virtude da natureza distinta das penas de reclusão, detenção e prisão simples, além de ser incabível a soma das reprimendas, deve ser fixado separadamente o regime inicial de cumprimento de cada uma. Não obstante a pena definitiva não tenha ultrapassado o patamar de 4 anos para nenhum dos delitos cometidos pelo réu, e as circunstâncias judiciais do art. 59 lhe sejam favoráveis, a reincidência justifica a imposição do regime semiaberto, para o cumprimento da pena de reclusão; de detenção e de prisão simples, consoante diretriz do art. 33, § 2º, ?b? e § 3º, do Código Penal. 11. Recurso da defesa conhecido e parcialmente provido. Recurso do MP conhecido e provido.