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Classe do Processo:
07241303820238070001 - (0724130-38.2023.8.07.0001 - Res. 65 CNJ)
Registro do Acórdão Número:
1845746
Data de Julgamento:
10/04/2024
Órgão Julgador:
2ª Turma Cível
Relator(a):
JOÃO EGMONT
Data da Intimação ou da Publicação:
Publicado no DJE : 23/04/2024 . Pág.: Sem Página Cadastrada.
Ementa:
DIREITO CIVIL, CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MAYTERIAIS E MORAIS MOVIDA POR MÁRCIA CONTRA O BANCO DO BRASIL. FRAUDE BANCÁRIA. GOLPE DO MOTOBOY. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. ARTIGO 14 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. USO DE CARTÃO E SENHA. DEVER DE SEGURANÇA. NÃO EFETIVAÇÃO DO BLOQUEIO DOS CARTÕES APÓS SOLICITAÇÃO DA CLIENTE. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. COBRANÇA INDEVIDA. DEVER DE RESTITUIÇÃO. FORMA DE RESSARCIMENTO SIMPLES. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ NA COBRANÇA. DANOS MORAIS. RECONHECIDOS. VIOLAÇÃO À SUBSISTÊNCIA DA AUTORA. DIGNIDADE HUMANA. SENTENÇA REFORMADA. REDIMENSIONAMENTO DOS HONORÁRIOS CONFORME ART. 85, §2º, DO CPC. RECURSO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DO REQUERIDO IMPROVIDO.  1. Apelações interpostas contra sentença, que julgou parcialmente procedente o pedido autoral, para declarar a inexistência de débito quanto às transações não reconhecidas e determinar a restituição da quantia de R$ 134.164,03 e de R$ 4.999,90, devendo tais valores serem corrigidos monetariamente desde a data de cada pagamento ou saque e acrescido de juros legais a partir da citação. O pedido de danos morais formulado pela parte autora foi julgado improcedente. 1.1. Em suas razões, o banco réu requer a reforma da sentença, julgando-se totalmente improcedentes os pedidos formulados pela autora. Argumenta, em resumo, ter a recorrida fornecido seu cartão ao fraudador e baixou o aplicativo no celular, permitindo o acesso às informações contidas no aparelho, fatos os quais possibilitaram a perpetração do golpe, não havendo participação do banco nos fatos descritos na inicial, de modo a inexistir responsabilidade da instituição. 1.2. A autora, por sua vez, requer o provimento de seu recurso, a fim de reformar a sentença, julgando totalmente procedente os pedidos deduzidos na exordial. Defende tenha o erro cometido pelo banco lhe privado do acesso aos recursos provenientes de seu trabalho, causando prejuízos à sua subsistência, porquanto se viu obrigada a realizar o pagamento integral dos valores provenientes da fraude os quais foram cobrados pela instituição, razão pela qual devida a indenização por dano moral. Requer, além disso, a condenação do banco réu a realizar o pagamento em dobro dos valores cobrados indevidamente, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC.  2. De acordo com os autos, em 17/03/2023, a autora recebeu uma ligação telefônica, por intermédio de número oficial da ré (4003-3001), na qual uma pessoa, se dizia preposta da instituição. Sob a alegação de que havia suspeita de falsa transação, foi orientada a redigir uma carta de próprio punho solicitando o cancelamento dos cartões de créditos VISA e MASTER, e entregando-os em um envelope lacrado para um motorista de aplicativo. 2.1. Ato contínuo, diversas transações foram efetivadas nos cartões de crédito da parte (valor total de R$ 188.835,30 em compras não reconhecidas); houve aumento, não solicitado, do limite dos cartões para R$ 142.000,00 (cento e quarenta e dois mil reais); além da realização de algumas operações realizadas com o cartão poupança, no importe de R$ 4.999,90. 2.2. A parte alegou que, em 19/03/2023, ao perceber a fraude, contatou o banco, informando o ocorrido e solicitando o cancelamento dos seus cartões de crédito. Outrossim, há documento nos autos, acostado pelo próprio banco requerido, atestando que desde o dia 18/03/2023 a fraude passou a ser conhecida pela instituição financeira. Todavia, conforme consta da própria contestação, houve apenas o bloqueio parcial do cartão, permitindo-se sua utilização nos dias posteriores até a efetivação do bloqueio total. 2.3. Incontroverso, assim, o seguinte: mesmo após a solicitação de cancelamento de todos os cartões estes permaneceram ativos e as compras continuaram a ocorrer, conforme observa-se das faturas dos cartões anexadas ao feito, a demonstrarem a realização de compras após a data de 18/03/2023.  3. Na hipótese, a autora foi vítima de fraude perpetrada por pessoas as quais se passaram por funcionários da instituição financeira requerida, haja vista ter recebido ligação telefônica originada, alegadamente, do banco, com a informação de transação suspeita. 3.1. O conhecido ?golpe do motoboy? começa com a obtenção das informações confidenciais bancárias dos clientes das instituições bancárias. Com os dados em mãos, os fraudadores ligam para o cliente, fingindo ser do banco ou da operadora do cartão, informando a clonagem do cartão de crédito e a realização de transações não confirmadas na conta. 3.2. A ligação à vítima se opera de forma idêntica ao banco ou à operadora do cartão de crédito, com as mesmas operacionalidades. Além disso, confirmam as informações confidenciais detalhadas, como nome, data de nascimento, endereço, além dos dados de contas bancárias. Desse modo, as vítimas têm certeza de que estão falando diretamente com funcionários das instituições. 3.3. Na hipótese dos autos, vê-se, de um lado, que a consumidora foi induzida a erro, diante de uma situação de aparente veracidade, a permitir o desfalque de seus recursos. Por outro lado, forçoso reconhecer tenham os fraudadores de alguma forma obtido prévio acesso aos dados pessoais da autora tais como nome completo, endereço, telefone, informações essas em poder da instituição financeira.   4. A responsabilidade civil objetiva, preconizada no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor e calcada na Teoria do Risco do Negócio ou da Atividade, visa a proteger a parte mais vulnerável da relação de consumo, de modo que o risco da atividade não pode ser transferido ao consumidor. Assim, entende-se que a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços somente é afastada nas hipóteses do art. 14, §3º, do CDC, dentre as quais está a culpa exclusiva de terceiro ou do próprio consumidor. 4.1. No caso dos autos, o banco requerido não se desincumbiu de seu ônus de provar a culpa exclusiva da consumidora ou de terceiros na fraude perpetrada, conforme determina o art. 373, inciso II, do CPC, porque, apesar de a autora ter fornecido senha e confirmado seus dados aos fraudadores, acreditando estar tratando diretamente com algum preposto da instituição financeira, também é evidente que para a realização do golpe era necessário que os estelionatários tivessem acesso prévio aos dados da consumidora. 4.2. Não restou demonstrado como os estelionatários obtiveram os dados bancários da autora. Assim, o risco é inerente à atividade bancária e não pode ser transferido ao consumidor. 4.3. Outrossim, após a ocorrência da fraude, logo em seguida e nos dias que sucederam o ocorrido, ocorreram diversas transações atípicas na conta da cliente. Ou seja, transações que fugiam, de modo expressivo, do padrão histórico de movimentação da conta, sem que tenha havido qualquer constatação pela instituição no sentido de bloquear totalmente os cartões. Veja-se: as compras não reconhecidas nas faturas ultrapassaram o valor de R$ 180.000,00 (cento e oitenta mil reais), o que destoa completamente do padrão médio utilizado nos meses anteriores pela consumidora: R$ 4.170,00 (quatro mil cento e setenta reais). 4.4. Desse modo, era possível a percepção da fraude pela instituição, em razão das diversas transações em curto espaço de tempo. Portanto, resta demonstrado o nexo causal para configuração da responsabilidade objetiva da parte apelada decorrente da falha na prestação do serviço em evitar as operações fraudulentas. 4.5. Precedente: ?(...) 3. A despeito de o Autor haver reconhecido que, por ter sido vítima de um golpe, forneceu dados bancários e senha a terceiros, não se pode desconsiderar que as transações realizadas em nome do consumidor destoaram completamente do histórico de gastos dele, de modo que era possível à instituição financeira perceber a ocorrência da fraude e adotar as medidas de segurança cabíveis para evitá-la. 4. Considerando que cabe às instituições financeiras zelar pelo sistema antifraude e que houve notória atipicidade das movimentações financeiras, constata-se a falha na prestação do serviço, bem como a relação de causalidade entre a conduta da parte Ré e os prejuízos causados ao cliente, o que atrai a responsabilidade objetiva pela reparação dos danos materiais. (...)? (07407518120218070001, Relator: Diaulas Costa Ribeiro, Relator Designado: Robson Teixeira de Freitas 8ª Turma Cível, DJE: 07/12/2022).  5. Quanto ao pedido de condenação na repetição do indébito, a Corte Especial do STJ firmou a tese de que ?a restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que realizou a cobrança indevida, revelando-se cabível quando a referida cobrança consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva? (EAREsp 676.608). 5.1. Nesse aspecto, verifica-se que, no caso concreto, a conduta do banco não foi contrária a boa-fé, tendo em vista que, apesar de a consumidora ter noticiado a suposta ocorrência de fraude ao demandado, a cobrança efetivada pela instituição financeira, à época, fundava-se no exercício regular do direito, pois acreditou se tratar de uma relação jurídica verídica e que o dano seria imputável a parte, apesar de, posteriormente, tenha sido declarada, no bojo destes autos, a inexistência do débito, razão pela qual a restituição deve se dar na forma simples. 5.2. Precedente: ?[...] 4. A restituição dos valores deve ser realizada de maneira simples, visto que a aplicação da pena de repetição em dobro do indébito, prevista no Código de Defesa do Consumidor, só tem lugar quando a cobrança indevida decorre de má-fé, o que não se verifica na hipótese. [...]? (0701537-79.2023.8.07.0012, Relator: Eustáquio de Castro, 8ª Turma Cível, PJe: 06/02/2024).  6. O dano moral decorre de uma violação de direitos da personalidade, atingindo a dignidade da vítima, e pode ser definido como a privação ou lesão de direito da personalidade, independentemente de repercussão patrimonial direta, desconsiderando-se o mero dissabor. 6.1. Dentro desse contexto, o dano moral restou configurado na hipótese, porquanto a situação extrapolou o mero dissabor e impôs à correntista o ônus dos acentuados encargos oriundos de fraude, acarretando desordem na vida financeira não só da parte, mas de toda sua família. 6.2. Precedente Turmário: ?[...] 3. O Superior Tribunal de Justiça reconheceu, em diversos precedentes, o dano moral em caso de fraude bancária provocada por terceiro contra o consumidor, assim como o dever da instituição financeira de reparar esse dano. 4. O valor a ser fixado para reparação dos danos morais deverá observar as seguintes finalidades: compensatória, punitiva e preventiva, além do grau de culpa do agente, do potencial econômico e características pessoais das partes, a repercussão do fato no meio social e a natureza do direito violado, obedecidos os critérios da equidade, proporcionalidade e razoabilidade. 5. Apelação desprovida.? 07072077920208070020, Relator: Hector Valverde Santanna, 2ª Turma Cível, PJe: 15/04/2021). 6.3. Em relação ao valor a ser fixado, diante da ausência de critérios legalmente definidos, deve o julgador, atento às finalidades compensatória, punitiva e preventivo-pedagógica da condenação e guiado pelos princípios gerais da prudência, bom senso, proporcionalidade e razoabilidade, estabelecer valor que se mostre adequado às circunstâncias que envolveram o fato e compatível com o grau e a repercussão da ofensa moral discutida. 6.4. Reconhecidos os danos morais e levando em consideração os critérios enunciados, notadamente as condições econômicas das partes e o grau de responsabilidade, o valor da reparação deve ser fixado em R$ 10.000,00 (dez mil reais) a serem pagos pela instituição requerida à autora apelante.  7. Em razão do parcial provimento do recurso da autora, os honorários advocatícios devem ser redimensionados, a refletir a real sucumbência das partes no feito. Portanto, o banco requerido deve ser condenado ao pagamento da integralidade dos honorários de sucumbência, os quais devem ser fixados em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, e art. 86 do CPC.  8. Apelo da autora parcialmente provido. 8.1. Apelo do requerido improvido. 
Decisão:
APELO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO. APELO DO REQUERIDO IMPROVIDO. UNÂNIME.
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