APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. RESCISÃO CONTRATUAL. PEDIDO SUBSIDIÁRIO. RECONVENÇÃO. INEXISTÊNCIA. DISCUSSÃO NA ORIGEM. AUSÊNCIA. NÃO CONHECIMENTO. PRELIMINARES. INCOMPETÊNCIA RELATIVA. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO. AÇÃO. PROPOSITURA. DOMICÍLIO DO CONSUMDOR. ART. 101, I, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - CDC. NORMA LEGAL. PREVALÊNCIA. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. IMPUGNAÇÃO. HIPOSSUFICIÊNCIA. DEMONSTRAÇÃO. SUFICIENTE. REJEIÇÃO. PREJUDICIAL DE MÉRITO. RESCISÃO IMOTIVADA DO CONTRATO. PRAZO DE REFLEXÃO. ART. 49 DO CDC. DIREITO DE AÇÃO POSTERIOR. ÓBICE. INEXISTÊNCIA. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. OBRIGAÇÃO CONTRATUAL. CONTRATO DE CONSUMO. PRAZO DE 10 ANOS. PRECEDENTE DO STJ. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ASSESSORAMENTO E INTERMEDIAÇÃO EM FINANCIMAENTO VEICULAR. PAGAMENTO DE PERÍCIA EXTRAJUDICIAL. PREVISÃO CONTRATUAL. AUSÊNCIA. BOA-FÉ OBJETIVA. VIOLAÇÃO. DESEMBOLSO TOTAL SUPERIOR AO DOBRO. CONSUMIDOR DESEMPREGADO E EM SITUAÇÃO DE ENVIDIDAMENTO. ?VENDA CASADA?. ONEROSIDADE EXCESSIVA. CONFIGURAÇÃO. DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. PROPOSITURA DE AÇÃO REVISIONAL. AUSÊNCIA. PRAZO CONTRATUAL. EXPIRAÇÃO. VÍCIO DO SERVIÇO. ATO ILÍCITO. COMPROVAÇÃO. 1. Caracteriza inovação recursal e não conhecimento do pedido subsidiário de retenção de 30% sobre os serviços prestados, diante da ausência de reconvenção, nos termos do art. 343 do CPC e pelo fato de que tal questão sequer foi debatida na origem. 2. Nos termos do art. 63 do Código de Processo Civil, as partes podem modificar ?a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações. A eleição de foro só produz efeito quando constar de instrumento escrito e aludir expressamente a determinado negócio jurídico. O foro contratual obriga os herdeiros e sucessores das partes?. 3. O Superior Tribunal de Justiça - STJ afasta a cláusula de eleição de foro nos contratos de consumo, com base nos artigos 6º, inciso VIII, c/c o artigo 101, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, para declarar competente o foro do domicílio do consumidor. Trata-se de medida para facilitar a sua defesa, bem como o acesso ao Judiciário. Por consequência, a prerrogativa de o consumidor propor ação em seu domicílio deve prevalecer sobre a convenção das partes quanto ao foro eleito, diante da presunção legal de sua hipossuficiência. Precedentes. 4. A apelante não demonstrou, minimamente, a suficiência de recursos do apelado para arcar com as despesas processuais. O motivo da contratação, objeto da rescisão contratual, é incontroverso: o serviço de intermediação do financiamento com a apelante foi firmado justamente a possibilidade de redução das parcelas. Ao contrário do que pretende, não se trata de um investimento, mas, de efetivo endividamento por parte do apelado, fato esse que, pelo contrário, permite presumir sua incapacidade financeira e risco a sua subsistência. 5. Não é possível reformar decisão de saneamento do processo que julgou improcedente a impugnação da gratuidade da justiça quando a apelante não contesta os documentos juntados na petição inicial, comprobatórios da falta de condições financeiras para arcar com as despesas processuais, especialmente honorários advocatícios. 6. Nos termos do art. 49 do Código de Defesa do Consumidor-CDC, o consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial com direito à restituição imediata dos valores pagos a qualquer título, os valores eventualmente pagos. Cuida-se de proteção legal durante os primeiros 7 dias da assinatura do contrato, denominado de prazo de reflexão, para permitir que o consumidor promova sua resilição contratual, independentemente de qualquer motivo ou justa causa, com a devolução de todos os valores pagos nesse período. 7. As pretensões decorrentes de inadimplemento contratual, ainda que de consumo, prescrevem em 10 anos, nos termos do art. 205 do Código Civil, conforme jurisprudência consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ (EREsp 1.280.825 - RJ). O contrato foi assinado em 26/1/2023 e a ação foi proposta em 17/4/2023, em menos de 3 meses, de modo que não há que se falar em prescrição. 8. As relações contratuais devem ser pautadas pelos princípios da probidade e boa-fé (art. 422 do Código Civil - CC), o que traz exigências de cuidado, transparência e lealdade. Nas relações de consumo, a necessidade de observância da boa-fé objetiva é ainda mais evidente, haja vista a situação de vulnerabilidade do consumidor. Como consequência da boa-fé objetiva, a lei estabelece expressamente que é direito básico do consumidor ser informado de todas as características dos serviços prestados (art. 6º, III e art. 31 do CDC). 9. A informação adequada e clara sobre os serviços e produtos é fundamental para que o consumidor possa exercer livremente seu direito de escolha (art. 6º, II, do CDC). A falta de informação, além de ofender interesse do consumidor, afeta o princípio constitucional da livre concorrência (art. 170 da Constituição Federal - CF). 10. Como consequência do dever de informação, o CDC em seu art. 30 estabelece o princípio da vinculação da oferta: "toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado". 11. A oferta é momento pré-contratual de extrema relevância para o consumidor exercer sua liberdade de escolha. Em caso de descumprimento da oferta ou falha do dever de informar, a lei estabelece instrumentos processuais para que seja realizada a obrigação conforme prometido. O fornecedor - que se beneficia com a publicidade ou informação imprecisa - não pode se exonerar da oferta e descumprir o combinado no momento da formalização do contrato. 12. O CDC dispõe sobre as alternativas do consumidor, no caso de o fornecedor se recusar ao cumprimento do que foi inicialmente oferecido: I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade; II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos (art. 35). Precedente do STJ. 13. A causa de pedir e pedido descrevem situação que caracteriza descumprimento da oferta e, ao mesmo tempo, vício do serviço. Nos termos do art. 20 do CDC, os serviços são considerados impróprios em face de "disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária". 14. O art. 39, inciso I, do CDC estabelece que a venda casada é prática abusiva: ?Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;?. Portanto, a cobrança dos serviços de terceiros (perícia extrajudicial) é cabível, desde que prevista contratualmente e observada a liberdade de contratação do consumidor, sob pena de configurar venda casada. 15. Pela análise dessas cláusulas contratuais, dos capítulos relacionados às condições gerais, obrigações e rescisão, a prestação de serviços seria realizada extrajudicialmente. Eventualmente, se não houvesse êxito na renegociação, seria proposta em juízo ação revisional, por meio de advogado indicado pela apelante. Consta dos autos, ainda, análise das parcelas relacionadas a serviços de perícia extrajudicial. 16. Restou caracterizada venda casada e cobrança de obrigação excessivamente onerosa pelos seguintes fatos: 1) Cobrança de perícia extrajudicial de forma antecipada, sem previsão contratual; 2) influência indevida na decisão do consumidor para o pagamento desse serviço adicional, considerada a situação de desemprego, a iminência de vencimento de outras parcelas do financiamento veicular que se pretendia reduzir; 3) a assinatura do contrato e o desembolso do valor lá previsto; 4) desembolso total equivalente a mais do que o dobro do valor previsto no contrato. 17. Configura descumprimento contratual por parte da apelante. Conforme previsão do parágrafo sexto da cláusula relativa à rescisão, a propositura da ação judicial deveria ocorrer no prazo de 60 dias, apenas prorrogáveis por motivos de força maior que impedissem a realização dos serviços (recesso forense, varas e cartórios judiciais em correição, greves etc.). Apesar disso, até o pedido de cancelamento do ajuste, em 3/4/2023, sequer houve a propositura da ação revisional prometida, mesmo após o apelado ter outorgado procuração ?ad judicia et extra? desde a assinatura do contrato. 18. Configurado o descumprimento da oferta e a caracterização de vício do serviço, com prática abusiva (venda casada). Como consequência, há direito do consumidor de rescisão do contrato e restituição de quantia antecipada, monetariamente atualizada (art. 35, III, do CDC). 19. Recurso conhecido em parte e não provido. Honorários advocatícios majorados.