APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CERCEAMENTO DO DIREITO A PRODUÇÃO DE PROVAS. PRELIMINAR REJEITADA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA. DESCUMPRIMENTO. LEGITIMIDADE DA POSSE E ESBULHO NÃO CARACTERIZADOS. RECURSO DESPROVIDO. 1. Julgamento antecipado da lide não implica cerceamento de defesa quando a matéria é de direito ou há nos autos elementos suficientes para dirimir as questões que compõem a lide (art. 355 do CPC/2015). Além disso, pelo princípio da persuasão racional, o magistrado é o destinatário final da prova, cabendo-lhe a análise da conveniência e da necessidade da sua realização (arts. 370 e 371 do CPC/2015). No caso, os pontos citados sobre os quais recairiam a pretendida produção de prova oral foram objeto de comprovação documental. Bem analisada a oportunidade de nova dilação, considerada a sua prescindibilidade no contexto do que se pretendia demonstrar e em cotejo com o acervo probatório dos autos. Ademais, ao proferir julgamento, o juízo sentenciante não firmou posicionamento com amparo em falta de provas, mas, sim, no reconhecimento da própria inexistência do direito postulado, abordando, adequadamente, a questão e justificando, fundamentadamente, a posição adotada, não havendo, ademais, qualquer evidência de arbitrariedade ou teratologia na decisão. Não configura, portanto, cerceamento de defesa o fato de o magistrado, destinatário da prova, ter considerado suficientes os elementos constantes dos autos para formar o seu convencimento, dispensado a produção de outras provas. Preliminar de nulidade da sentença por cerceamento de defesa rejeitada. 2. O art. 1.196 do Código Civil define possuidor como aquele que tem, de fato, o exercício pleno ou não de algum dos poderes inerentes à propriedade. É justa e de boa fé a posse que não seja violenta, clandestina ou precária, nem haja vício ou obstáculo que impeça o seu exercício (arts. 1.200 e 1.201 do CC). 3. Ação de reintegração de posse fundada no regular cumprimento de negócio jurídico celebrado entre as partes. Análise da legitimidade da posse e da possibilidade do pretendido restabelecimento que depende da comprovação do cumprimento das obrigações contratuais assumidas, notadamente do pagamento do preço de venda ajustado. Exigência que não se confunde com análise de domínio, mas consubstancia necessária demonstração da licitude e da boa-fé da posse buscada pelo demandante. 4. Embora celebrado instrumento de compra e venda de imóvel entre as partes, inexiste registro de vontades no contrato prevendo a transferência antecipada da posse ao comprador. Disposta apenas a obrigação de fornecimento da documentação após finalização do pagamento e entrega das chaves do imóvel livre, desembaraçado e desocupado. Além disso, estabelecidos atos interdependentes a serem praticados em momentos sucessivos. O primeiro, cuja realização constitui ônus exclusivo do comprador, diz respeito ao pagamento integral do preço dentro do prazo ajustado. O segundo, por sua vez, refere-se à entrega da documentação para transferência, e, conforme expressamente consignado, somente ocorreria após regular quitação. Assim é que a prévia obtenção da documentação não era pressuposto, nem constituía justa causa para a falta de pagamento. 5. A parte autora não quitou o preço do imóvel dentro do prazo previsto, circunstância indispensável para corroborar a legitimidade da posse afirmada com base no contrato. Afinal, a plausibilidade de exercício da posse exige conformidade com o título apresentado, além da inexistência de obstáculo presumível pelas próprias circunstâncias (arts. 1.201 e 1.202 do Código Civil). E por se tratar de posse fundada no regular cumprimento de contrato celebrado, indiscutível que o inadimplemento repercute na conservação do negócio, mantendo ou fazendo cessar os propósitos e as expectativas dele decorrentes. Ademais, o próprio contrato trazia cláusula resolutiva expressa, prevendo que caso a documentação não fosse entregue em perfeita ordem, o contrato seria rescindido e eventuais valores pagos restituídos ao comprador. 6. Inexistente circunstancial legitimidade da posse alegada em condição de possuidor com justo título, e, consequentemente, do esbulho praticado, inviabilizando o acolhimento da pretensão na via possessória. Na esfera jurídica dos contratantes, eventuais consectários do negócio realizado desloca a discussão para a seara do direito obrigacional (direito pessoal), a ser resolvida entre as partes pelo regramento concernente às obrigações (execução/inexecução contratual) em ação própria. 7. Recurso conhecido, preliminar rejeitada e desprovido.