ADMINISTRATIVO, CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. APLICAÇÃO RETROATIVA DO ART. 23, § 8º, DA LEI Nº 8.429/92. POSSIBILIDADE. INOCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO. 1. Normas de direito material não podem ser aplicadas retroativamente, salvo a retroatividade, prevista no art. 5º, XL, da CR, para as normas materiais penais benéficas ao réu, e outras situações reguladas expressamente pela legislação infraconstitucional, como é o caso da retroatividade benéfica ao contribuinte prevista no art. 106, do CTN, para as normas de direito tributário. Por outro lado, normas processuais não podem retroagir e são de aplicabilidade imediata, não podendo afetar atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, consoante a dicção do art. 14, do CPC, que adotou a teoria do isolamento dos atos processuais. 2. Como regra, as disposições de direito material existentes na Lei n.º 8.429/92 são de eficácia ultra-ativa, ou seja, regulam as situações de fato ocorridas durante a sua vigência, ainda que, posteriormente, advenha legislação que discipline a matéria de maneira diversa, pois esta não pode retroagir para alcançar fatos anteriores à sua edição. 3. Ganha força na doutrina e na jurisprudência, o entendimento de que normas materiais de Direito Administrativo-Sancionador possuem uma principiologia própria e distinta das normas gerais de Direito Administrativo. Segundo essa corrente doutrinária e jurisprudencial, ao estabelecerem penas que muitas vezes atingem de maneira grave o cidadão, tais normas se assemelham, em sua natureza, às normas de Direito Penal, podendo ser aplicados, por analogia, ao Direito Administrativo-Sancionador, princípios que são próprios do Direito Penal, como a retroatividade benéfica das normas penais que versam sobre crimes e sobre penas. 4. Por expressa disposição do art. 1º, § 4º, da Lei nº 8.429/92, aplicam-se aos preceitos dessa lei a principiologia do Direito Administrativo-Sancionador. 5. Há que se reconhecer a aplicação retroativa, ao caso dos autos, do art. 23, § 8º, da Lei n º 8.429/92, introduzido pela Lei nº 14.230/21, que institui a prescrição intercorrente em processos de improbidade administrativa, exceto no que diz respeito à pena de ressarcimento integral dos danos causados ao erário, que não possui natureza administrativo-sancionatória e, ademais, se decorrente de ato doloso de improbidade administrativa é imprescritível. 6. Embora seja certo que a LIA determina, em seu art. 1º, § 4º, a aplicação dos princípios do Direito Administrativo Sancionador previstos na Constituição da República, isso não impõe admitir que o recurso à analogia para a colmatação de lacunas da LIA, no tocante à prescrição intercorrente, fique restrito às normas penais ou administrativo-sancionatórias, pois a Lei nº 8.429/92 institui sistema de responsabilização que se aproxima do Direito Penal, mas não trata de Direito Penal. 7. A falta de regulamentação mais detalhada da prescrição intercorrente, na Lei de Improbidade Administrativa, decorreu de lacuna de formulação e não de silêncio eloquente do legislador, sendo cabível o recurso à analogia para suprir as lacunas existentes em relação à disciplina da prescrição intercorrente. 8. Analisando a nova redação do art. 23, da LIA, introduzida pela Lei nº 14.230/2021, é possível concluir que o legislador adotou, no tocante à prescrição e à prescrição intercorrente, disciplina que ora se assemelha à contida no Código Penal, ora se assemelha à contida no Decreto nº 20.910/1932, que regula a prescrição das dívidas da Fazenda Pública. Quando trata das causas interruptivas do prazo prescricional, no § 4º do CPC, regula o tema de maneira bastante próxima à preceituada no art. 117, caput, do CP. Por outro lado, assevera, no § 5º do art. 23 da LIA, que, interrompido, o prazo tem sua contagem reiniciada, restando a metade do prazo prescricional de 8 (oito) anos previsto no caput. Tal dicção legal mais se assemelha à redação do art. 9º, do Decreto nº 20.910/1932, pois o § 1º do art. 117 do Código Penal não determina que se reduza o prazo prescricional após a incidência de alguma causa interruptiva. 9. A analogia ?consiste em um método de interpretação jurídica utilizado quando, diante da ausência de previsão específica em lei, aplica-se uma disposição legal que regula casos idênticos, semelhantes, ao da controvérsia? (https://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/1131/Analogia-Novo-CPC-Lei-no-13105-2015). 10. Especificamente no que diz respeito à prescrição intercorrente, a disciplina trazida pela Lei nº 14.230/2021 mais se aproxima da regulamentação anteriormente existente em relação à prescrição dos débitos fazendários, já constante de legislação civilista pretérita, razão pela qual a analogia às normas previstas na legislação civil para colmaração de lacunas existentes na Lei de Improbidade Administrativa não contraria a principiologia instituída pela Lei nº 14.230/2021. 11. O reconhecimento da prescrição intercorrente em processos de improbidade administrativa depende da inércia do autor da ação ou da inocorrência de causa obstativa ou suspensiva do curso do prazo prescricional. 12. Agravo de instrumento não provido.