APELAÇÃO. DIREITO ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NOVATIO LEGIS. SUCESSÃO DE LEIS. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. NOVATIO LEGIS IN MELIUS. RETROATIVIDADE DA LEI NOVA BENÉFICA AO AGENTE. NOVATIO LEGIS IN MALAM PARTEM. IRRETROATIVIDADE DA LEI NOVA DESFAVORÁVEL AO AGENTE. PRESCRIÇÃO. NATUREZA JURÍDICA. NORMA DE CONTEÚDO MATERIAL. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. APLICABILIDADE. TERMO A QUO. ALTERAÇÃO PRO REU. PRAZO. SUSPENSÃO. INTERRUPÇÃO. ALTERAÇÃO IN MALAM PARTEM. IRRETROATIVIDADE. PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO PENAL. APLICABILIDADE À IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DIREITO SANCIONADOR. 1. Há estreita relação entre a improbidade administrativa, com consequências jurídicas sancionadoras, e o Direito Penal, que impõe àquela os seus princípios e normas gerais, com extensão do que consta do art. 12 do Código Penal. Precedente: Acórdão 1363030, 00215267520158070018, Relator: Mario-Zam Belmiro, Relator Designado: Diaulas Costa Ribeiro, 8ª Turma Cível, data de julgamento: 18/8/2021, publicado no DJe: 25/8/2021. 2. A tese majoritária desse precedente (Acórdão 1363030) foi incorporada, expressamente, à Lei de Improbidade Administrativa por inovação da Lei nº 14.230/2021, que impôs a compensação de penas (detração) aplicadas em outras esferas (penal, civil etc.): ?Art. 21. ?§ 3º As sentenças civis e penais produzirão efeitos em relação à ação de improbidade quando concluírem pela inexistência da conduta ou pela negativa da autoria. § 4º A absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação da qual trata esta Lei, havendo comunicação com todos os fundamentos de absolvição previstos no art. 386 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal). § 5º Sanções eventualmente aplicadas em outras esferas deverão ser compensadas com as sanções aplicadas nos termos desta Lei.? 3. Uma das consequências do Princípio da Legalidade, que é um princípio jurídico-penal (CP, art. 1º), jurídico-constitucional (CF, art. 5º, XXXIX) e de direitos humanos (Convenção Americana de Direitos Humanos, art. 9º) é a retroatividade da lei sancionadora (e não apenas da lei penal em sentido estrito) mais benéfica ao réu (Novatio legis in melius), que consta do art. 5º, XL da Constituição Federal e do art. 2º do Código Penal. 4. ?O art. 5º, XL, da Constituição da República prevê a possibilidade de retroatividade da lei penal, sendo cabível extrair-se do dispositivo constitucional princípio implícito do Direito Sancionatório, segundo o qual a lei mais benéfica retroage.? Precedente: REsp 1153083/MT, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Rel. p/ Acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 06/11/2014, DJe 19/11/2014. 5. ?Há algumas leis que disciplinando o processo têm natureza mista, processual e substantiva, e a essas leis deve aplicar-se o regime substantivo, enquanto concretamente for mais favorável ao arguido. É o que se passa com as leis sobre prescrição do procedimento criminal e sobre condições de procedibilidade. (...) No que respeita às normas sobre prescrição do procedimento criminal, é hoje quase pacífica a orientação de que têm natureza material e por isso são de aplicação retroativa quando mais favoráveis ao arguido. E são-no porque, como ensinam Cavaleiro de Ferreira, Figueiredo Dias e Taipa de Carvalho, as normas sobre prescrição afetam a «delimitação da infração, necessariamente afetada pela extinção do direito de ação penal, constituem «causa de afastamento da punição, «condicionam a efetivação da responsabilidade penal»?. (Germano Marques da Silva. Direito Penal Português. Parte Geral. I. Introdução e Teoria da Lei Penal. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2020, pág. 247-248). 6. O Supremo Tribunal Federal decidiu que a prescrição é instituto de direito material, sujeita ao princípio da legalidade. Consequentemente, há irretroatividade da lei nova desfavorável ao agente (Novatio legis in malam partem) e retroatividade da lei nova benéfica a ele (Novatio legis in melius), conforme determinam a Constituição Federal (Art. 5º, XXXIX), o Código Penal (Art. 1º e Art. 107, III) e o art. 9º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969, em vigor, para o Brasil, desde 25 de setembro de 1992 (Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992). 7. A Lei nº 14.230, de 25 de outubro de 2021, alterou a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Dentre as alterações, foram revogados os incisos I, II e III do art. 23, que previam o termo inicial do prazo prescricional da pretensão punitiva por improbidade, que era de cinco (5) anos. O caput desse mesmo artigo fixou novo prazo prescricional de 8 (oito) anos, contado da data do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessar a permanência (tempus delicti), adotando disposição contida no art. 111, incisos I e III do Código Penal. 8. A Lei nº 14.230/2021, instituiu, ainda, causas de suspensão e de interrupção do prazo prescricional, temas que não constavam da Lei nº 8.429/1992 e que são prejudiciais ao agente acusado de improbidade administrativa, incidindo a irretroatividade da novatio legis in malam partem. Precedentes do STF: HC 74676, Relator(a): Ilmar Galvão, Primeira Turma, julgado em 04/03/1997, DJ 09/05/1997 pp. 18129; HC 75679, Relator: Maurício Corrêa, Segunda Turma, julgado em 03/03/1998, DJ 20/04/2001 p. 106; e HC 76206, Relator(a): Maurício Corrêa, Segunda Turma, julgado em 19/05/1998, DJ 14-08-1998 p. 3. 9 ?A averiguação da lei penal mais favorável [ao réu] só pode fazer-se em concreto. Na determinação da lei mais favorável devem ter-se em consideração todas as leis publicadas entre o momento da infração e do julgamento atendendo à totalidade do regime por cada uma estabelecido. O confronto faz-se entre as várias leis que vigoraram, não sendo admissível a criação de um norma abstrata ou ideal formada com os elementos mais favoráveis de várias leis que se sucederam no tempo.? (Manuel Cavaleiro de Ferreira. Direito Penal Português. Parte Geral. I. 2 ed. Lisboa: Verbo, 1982, p. 125). 10. A pretensão punitiva da improbidade administrativa narrada nos autos está extinta pela prescrição, quer seja considerado o prazo de 8 (oito) anos fixado pela lei nova, quer seja o prazo de 5 (cinco) anos da lei antiga, não havendo necessidade de se analisar a ultra-atividade da lei antiga nesse capítulo. Também não é caso de se aventar a mescla de leis pelo Juiz. Não se construiu, com excertos da lei revogada e da lei revogadora uma terceira lei, uma lei transitória, sendo impositiva a retroatividade da lei nova no que beneficia os réus, assim como sua irretroatividade no que os desfavorece. 11. A extinção da punibilidade da improbidade administrativa pela prescrição não compreende a prescrição da ação de ressarcimento do prejuízo causado, nos termos da decisão do Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão geral (Tema 897): ?São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.? 12. Como houve pedido específico e destacado de ressarcimento do prejuízo causado ao erário, formulado pelo Ministério Público, com contraditório e ampla defesa na contestação, é cabível o conhecimento e a procedência do pedido de ressarcimento o dano devidamente comprovado, ainda que extinta a pretensão punitiva da improbidade administrativa pela prescrição. 13. Recurso conhecido e parcialmente provido.