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Classe do Processo:
20100110184455APC - (0010076-65.2010.8.07.0001 - Res. 65 CNJ)
Registro do Acórdão Número:
1218097
Data de Julgamento:
18/09/2019
Órgão Julgador:
4ª TURMA CÍVEL
Relator:
ROMULO DE ARAUJO MENDES
Data da Intimação ou da Publicação:
Publicado no DJE : 21/01/2020 . Pág.: 373382
Ementa:

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÕES CIVIS PÚBLICAS. DIREITO CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. DIREITO IMOBILIÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PREVENÇÃO. INEXISTÊNCIA DE CONEXÃO. REJEIÇÃO. AGRAVO RETIDO. TEMPESTIVIDADE. CONHECIMENTO PARCIAL. INDEFERIMENTO DE AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO. PRÉVIA MANIFESTAÇÃO DO PARQUET QUANTO À IMPOSSIBILIDADE DE ACORDO. TRANSAÇÃO IMPROVÁVEL (§ 3º DO ART. 331, CPC). QUESTÃO REJEITADA. PRODUÇÃO DE PROVAS. APRECIAÇÃO DO MAGISTRADO QUANTO À NECESSIDADE. QUESTÃO REJEITADA. TERMOS DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA - TAC'S RELATIVAMENTE A UM DOS EMPREENDIMENTOS (VERDES BRASIL). AJUSTES, FIRMADOS COM ASSOCIAÇÃO, DESCUMPRIDOS E AOS QUAIS O MINISTÉRIO PÚBLICO, POR MEIO DE OUTRO MEMBRO DA INSTITUIÇÃO, NÃO LHES EMPRESTOU VALIA. INEXISTÊNCIA DE RENÚNCIA, PELOS ADQUIRENTES, A DIREITOS INDENIZATÓRIOS, NO BOJO DOS REFERIDOS TERMOS. AGRAVO RETIDO CONHECIDO EM PARTE E, NESSA PARTE, IMPROVIDO. APELAÇÃO 1. DOCUMENTOS JUNTADOS COM O RECURSO. NÃO CONHECIMENTO. QUESTÕES RELATIVAS À NÃO DESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO E VALIDADE DOS TAC'S RESOLVIDAS NO AGRAVO RETIDO. LIMITAÇÃO, CONTUDO, DA RESPONSABILIDADE DOS APELANTES QUANTO AOS LUCROS CESSANTES. ASSUNÇÃO DA GESTÃO DO EMPREENDIMENTO VERDES BRASIL PELA ASSOCIAÇÃO DOS ADQUIRENTES. ERROR IN PROCEDENDO. AUSÊNCIA DE PUBLICAÇÃO DO EDITAL A QUE ALUDE O ART. 94 DO CDC. VÍCIO SANÁVEL. REJEIÇÃO. CONTRATO DE INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA ENTRE CO-RÉUS. "PARCERIA". APLICAÇÃO DA LEI 4.591/64 E DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA CARACTERIZADA. RESPONSABILIDADE PESSOAL DE SÓCIO/DIRETOR-PRESIDENTE. ELEMENTOS INFORMATIVOS COLHIDOS DE SENTENÇA PENAL. VALIDADE. ATUAÇÃO COM DESVIO DE FINALIDADE E ABUSO DE DIREITO. SOLIDARIEDADE PRESENTE. LUCROS CESSANTES. ATRASO INJUSTIFICADO NA ENTREGA DO IMÓVEL. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL PRESENTES. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA. CABIMENTO. DANOS MORAIS AOS ADQUIRENTES. CAUSA DE PEDIR PRESENTE. CASO EM QUE OS EFEITOS NEGATIVOS EXTRAPOLARAM O MERO ABORRECIMENTO DECORRENTE DO INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. CRITÉRIOS PARA AFERIÇÃO DO QUANTUM. DISCRICIONARIEDADE DO MAGISTRADO. VALOR ARBITRADO. RAZOABILIDADE. ACORDOS INDIVIDUAIS COM RENÚNCIA A DIREITO INDENIZATÓRIO. EXCLUSÃO DOS ADQUIRENTES COMO BENEFICIÁRIOS DA SENTENÇA GENÉRICA. ACOLHIMENTO. FATOS SUPERVENIENTES. EMPREENDIMENTOS ANGRA DOS REIS E TERRAS BRASIL. RECONHECIMENTO JUDICIAL DA ASSUNÇÃO DA GESTÃO PELAS ASSOCIAÇÕES. TERMO FINAL DOS LUCROS CESSANTES. APELAÇÃO 1 CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. APELAÇÃO 2. CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR. INEXISTÊNCIA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA E OBJETIVA. APELAÇÃO 2 CONHECIDA E NÃO PROVIDA. APELAÇÃO 3 (MP). DANOS MORAIS COLETIVOS. DISTINÇÃO COM OS DANOS MORAIS INDIVIDUAIS. ABALO SOCIAL RELEVANTE. AFETAÇÃO DA COMUNIDADE EM PREJUÍZO DO SEU CAMPO VALORATIVO DE CREDIBILIDADE NAS LEIS, NAS INSTITUIÇÕES E NA SEGURANÇA DAS RELAÇÕES CONTRATUAIS IMOBILIÁRIAS. PREVENÇÃO. TEORIA DO DESESTÍMULO. APLICAÇÃO. APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA.

1. Inexistente conexão quando os feitos apresentam distintos objeto e causa de pedir (art. 103 do Código de Processo Civil), o que afasta a regra de reunião dos processos (art. 105 do Código de Processo Civil), sendo descabida, pois, a alegação de identidade de situação fática, ademais de a regra de prevenção estabelecida no art. 60 do Regimento Interno desta Corte, invocada pelos apelantes, dizer respeito a "feitos posteriores, referentes ao mesmo processo";

2. Agravo Retido: A apreciação das condições da ação, com espeque na Teoria da Asserção, se faz segundo as alegações contidas na inicial. Havendo, pois, causa de pedir e pedido relativamente a determinada pessoa é ela parte passiva legítima no feito. A aferição posterior de que não deveria responder aos termos da pretensão autoral, porque, v.g., afastada a sua responsabilidade, já será matéria meritória. Alegação de ilegitimidade passiva do Sócio da PALLISSANDER, seu Diretor-Presidente, rejeitada;

3.Em que pese a regra contida no art. 125, IV, do Código de Processo Civil estabeleça que compete ao juiz "tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes", a regra do § 3º do art. 331 daquele Codex faz a ponderação necessária para acolher as situações em que a designação da audiência de conciliação ou audiência preliminar pode ser dispensada pelo magistrado, quando "o direito em litígio não admitir transação, ou se as circunstâncias da causa evidenciarem ser improvável sua obtenção";

4. É assente na jurisprudência que cabe ao magistrado, sendo o destinatário da prova, concluir se o caderno processual já está suficientemente instruído com os elementos de prova necessários à apreciação do provimento de mérito, entendimento que decorre do disposto nos artigos 130 e 131 do Código de Processo Civil;

5. Mesmo que fosse o caso de declarar "a implementação dos efeitos jurídicos dos Termos de Ajustamento de Conduta números 621 e 630, em razão do integral cumprimento dos seus objetos", como pretendem os Apelantes, o que se mostrou descabido, isto não teria o condão de afastar a atuação do Ministério Público do cumprimento de sua missão constitucional de defesa do interesse público primário (art. 129, III, da Constituição Federal) como os direitos sociais, os transindividuais, sejam os individuais homogêneos, os coletivos ou os difusos (art. 81 do Código de Defesa do Consumidor);

6. O Ministério Público ingressou com Ações Civis Públicas com pretensão de reparação de danos aos consumidores adquirentes de unidades imobiliárias negociadas pelos Requeridos, em face de descumprimento dos contratos individuais de Promessa de Compra e venda, com transmissão das obrigações assumidas sem anuência dos adquirentes, paralisações das obras, atrasos demasiados, não entrega dos imóveis nos prazos avençados, e, de modo geral, pela gestão temerária dos empreendimentos imobiliários Angra dos Reis, Monte Solaro, Blue Sky, Verdes Brasil e Terras Brasil, em prejuízo dos consumidores, dentre outros fundamentos para o pedido de reparação de danos materiais e morais, individuais e coletivos;

7. 1ª Apelação: Só se permite às partes, "em qualquer tempo, juntar documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados, ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos", nos termos do art. 397 do Diploma Processual Civil, o que, à toda evidência, não é o caso dos documentos colacionados pelos Apelantes junto com a peça recursal;

8. Não se pode argüir de intransigente a postura ministerial que, ponderando os interesses metaindividuais postos em juízo, houve por bem abster-se da tentativa de composição com os demandados, dado que não vislumbrara possibilidade de, com isso, atender satisfatoriamente as pretensões coletivas judicializadas;

9. "A ausência de publicação do edital previsto no art. 94 do CDC, com vistas a intimar os eventuais interessados da possibilidade de intervirem no processo como litisconsortes, constitui vício sanável, que não gera nulidade apta a induzir a extinção da ação civil pública, porquanto, sendo regra favorável ao consumidor, como tal deve ser interpretada." (REsp 1377400/SC, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/02/2014, DJe 13/03/2014);

10. Há farta comprovação documental acerca das lesões contratuais a centenas de consumidores adquirentes de unidades autônomas nos empreendimentos acima identificados, sendo correta a afirmação posta na sentença recorrida, segundo a qual o "fato central que embasa toda a causa de pedir - suspensão das obras - que acarretou em alguns casos apenas atrasos injustificados e demasiadamente prolongando da entrega das unidades imobiliárias e noutros o inadimplemento integral da obrigação, ante a ausência de conclusão da obras - em nenhum momento foi contestado pelos réus.";

11. Além de não se verificar, propriamente, renúncia, em sede de acordo, a direito sobre eventuais indenizações, porque os Associados apenas concordaram em dar destinação específica a elas, esse ajuste não está contemplado em nenhum dos TAC`s que as Apelantes pretendem fazer valer, para efeito de tornar decaído o interesse do Parquet em postular reparação aos adquirentes do condomínio Verdes Brasil;

12. Todavia, embora os apelantes não possam se esquivar de suas responsabilidades em razão da celebração dos TAC's, certo é que houve a transferência da propriedade do terreno relativo ao empreendimento Verdes Brasil para a Associação dos Promitentes Compradores, além de ter sido transferida à mesma associação a carteira imobiliária de recebíveis, tendo assumido o encargo de dar continuidade às obras, passando a ostentar, por conseguinte, a condição de incorporadora do empreendimento;

13. Nessa medida, quanto ao ponto, deve ser reformada a sentença recorrida, a fim de que, no cálculo do valor dos lucros cessantes que os apelantes devem pagar aos adquirentes, seja levado em conta, como termo final, a data em que a Associação dos Promitentes Compradores do Empreendimento Verdes Brasil assumiu o empreendimento;

14. A questão relativa à validade do Contrato de Incorporação Imobiliária entabulado entre a PALLISSANDER e a J. MARTINI, pelo qual a primeira sociedade empresária "transferiu" à segunda os direitos e obrigações relativos à implementação de empreendimentos imobiliários, não afeta a apreciação da responsabilidade civil dessas empresas e demais envolvidos em eventuais danos causados por descumprimento dos deveres legais relativos à incorporação imobiliária e violação de direitos dos consumidores adquirentes das unidades autônomas comercializadas pelas referidas empresas;

15. A matéria é regulada pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), pois os Apelantes e os adquirentes das unidades imobiliárias autônomas se qualificam como e fornecedor e consumidor, segundo as disposições contidas nos artigos 2º e 3º daquele Diploma Legal, além de haver menção expressa a contratos dessa natureza (art. 53);

16. A negociação encetada com a J. Martini revela, no mínimo, culpa in contrahendo da Pallissander, mas, a presença de tal elemento subjetivo para a aferição da responsabilidade civil no contexto das relações de consumo é despicienda, daí porque, em que pese a afirmação do Ministério Público quanto à existência de conluio entre as partes e a defesa dos Apelantes quanto à não comprovação dessa alegação, não é imprescindível ingressar na verificação quanto à existência de dolo (direto) ou indireto ou culpa (lato sensu);

17. O Contrato de Incorporação Imobiliária, antes de isentar a responsabilidade da Apelante Pallissander, certifica o descumprimento das normas atinentes à incorporação, não só pela circunstância de ter sido firmado com empresa comandada por "testa de ferro", mas, sobretudo, pelas circunstâncias objetivas relativas à comercialização de unidades imobiliárias antes de "transferir" os empreendimentos à J.MARTINI, bem como porque, após a "transferência", veiculou informativos aos consumidores por meio dos quais assumia claramente que se tratava de uma parceria empresarial, sendo, pois, inegável a cadeia de responsabilidade solidária dos fornecedores envolvidos nos empreendimentos imobiliários de que se cuida no presente julgamento;

18. A responsabilidade da Apelante, pois, não se restringe aos consumidores adquirentes com quem contratou diretamente, estendendo-se àqueles que contrataram com a J. MARTINI e, posteriormente com as sociedades Cidade Ambiental e Millenium, não havendo espaço para falar-se em isenção de responsabilidade por fato de terceiro, na esteira do que preceitua o art. 14, § 3º, II, CDC, e, pelas mesmas razões, não se limita às unidades que prometeu à venda até outubro de 2005;

19. Acertado o entendimento expressado na r. sentença recorrida quanto à condenação solidária do Apelante Rubem Soares Branquinho, eis que, a despeito de não comparecer nas negociações como pessoa física, acabou por atuar com desvio de finalidade à frente da sociedade que presentava e, pois, com abuso de direito, devendo responder pelos danos advindos de sua conduta ilícita, nos termos do art. 187 do Código Civil;

20. Os lucros cessantes são presumidos e devidos pelo só atraso injustificado na entrega das unidades imobiliárias dentro do prazo contratual, o que impede o adquirente do uso, gozo e fruição do bem, e, por conseguinte, obrigando-o ao pagamento de aluguel de imóvel de terceiro, acaso destinado a sua moradia, ou, simplesmente, privando-o de extrair vantagem econômica do bem, v.g., com o aluguel da unidade habitacional ou comercial pretendida, daí a construção jurisprudencial no sentido de que esses danos materiais, em casos tais, se apuram com base no valor do aluguel de imóvel similar ao que é objeto do contrato de promessa de compra e venda;

21. A alegação de inexistência de distinção entre adquirentes adimplentes e inadimplentes não interfere na responsabilidade indenizatória dos Apelantes, porque, quanto aos eventuais inadimplentes, o credor deve tomar as medidas cabíveis e, se ainda não rescindido o contrato até a data da sentença, com renúncia a eventuais direitos indenizatórios, responde o empreendedor pelos lucros cessantes fixados;

22. O decote das despesas, como IPTU e taxas condominiais, é pretensão descabida, pois, até a efetiva entrega dos imóveis, a responsabilidade pelos pagamentos de tais despesas é do promitente vendedor e não do adquirente, que ainda não tem a disponibilidade do imóvel, na linha do que tem entendido esta Corte;

23. A causa de pedir relativa aos danos morais individuais está posta nas iniciais das Ações Civis Públicas, em suas duas vertentes, ou seja, tanto a causa de pedir remota (os fatos), como a causa de pedir próxima (os fundamentos jurídicos do pedido), na clássica divisão doutrinária, pois todos os pedidos se assentam nos fatos descritos na inicial, relativamente aos atrasos nas obras, à gestão temerária das sociedades e às tentativas de se desvencilharem de suas responsabilidades com a transferência dos empreendimentos em negociações escusas e desastrosas do ponto de vista do cumprimento das obrigações contratuais face aos consumidores;

24. É entendimento pacífico na jurisprudência desta Corte que o mero inadimplemento contratual quanto à data prevista para a entrega do imóvel objeto do contrato de compra e venda não é suficiente para caracterizar esse dano de ordem extrapatrimonial, por representar aborrecimento normal do cotidiano na complexa sociedade atual;

25. Contudo, a situação dos autos não pode ser considerada um mero aborrecimento ou percalço da vida moderna. Não se tem simples descumprimento de cláusula contratual relativa à data prevista para a entrega do imóvel, mas um conjunto de condutas articuladas pelos diversos fornecedores envolvidos nas sucessivas negociatas destinadas a remediarem situações precárias de gestão empresarial, com pretensão de isentarem-se de responsabilidades frente às centenas de consumidores adquirentes de unidades residenciais nos empreendimentos alavancados ou assumidos pelas sociedades empresárias e os sócios, Réus nas Ações Civis ora em julgamento;

26. Trata-se, no caso, de dano moral decorrente das lesões aos atributos da personalidade (a integridade psíquica, a angústia d'alma) provocadas pelos ilícitos praticados pelos Apelantes ao descumprirem os deveres contratuais puros (a cláusula relativa ao prazo para a entrega dos imóveis) e os deveres anexos atinentes à boa-fé objetiva (lealdade, probidade, confiança, ética etc), além da evidente atuação com má-fé (os engodos, a gestão irresponsável e desastrosa dos recursos dos adquirentes, o intuito de escapar às responsabilidades);

27. Todas as circunstâncias peculiares retratadas nos autos e ao longo da fundamentação deste voto revelam mais do que aborrecimentos comuns a que estamos todos expostos nas diversas relações jurídicas de que participamos nos dias que correm, sendo, portanto, fatos que causam angústia anormal, aflições psíquicas que extrapolam os desassossegos ordinários em face de eventuais inadimplementos contratuais, sendo de concluir-se que efetivamente estão presentes os pressupostos para a caracterização de dano aos atributos da personalidade dos consumidores adquirentes das unidades residenciais ou comerciais nos empreendimentos objeto das ações ora em julgamento, revelando-se acertada a sentença recorrida quanto à condenação dos Apelantes e demais Réus ao pagamento de danos morais individuais;

28. Não se verifica excesso no quantum arbitrado na sentença (20 mil reais), estando compatível com a extensão dos danos de ordem extrapatrimonial causados aos consumidores (art. 944 do Código Civil) e com os parâmetros atinentes à efetiva reparação e ao caráter punitivo-pedagógico de que deve se revestir a condenação, na esteira das balizas ditadas pela doutrina e jurisprudência;

29. A lei não estabelece critérios ou parâmetros objetivos com base nos quais o juiz deve fixar o quantum da reparação por danos morais. Há na Constituição Federal (art. 5º, incisos V e X) e nas leis do País apenas o dever de indenizar o dano moral segundo a extensão do dano (artigos 186 e 944 do Código Civil e art. 6º, VI do Código de Defesa do Consumidor etc), daí ter a doutrina e a jurisprudência construído vários critérios ou parâmetros para o julgador levar em consideração, muitas vezes com referência aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, mas sempre cabendo ao julgador a fixação do valor segundo o seu prudente arbítrio;

30. Ocorrido distrato, com ressarcimento dos valores pagos pelos promissários compradores e desde que tenha havido expressa renúncia a danos materiais e morais, a sentença coletiva não poderá favorecer a tais consumidores, dado que, com esse acordo de vontades, geraram em benefício dos Apelantes direito subjetivo à não responsabilização pelos efeitos decorrentes do inadimplemento contratual, o que representa renúncia do consumidor tanto à persecução de tais direitos em ação individual, como disposição de não ser beneficiado pelos efeitos da coisa julgada material em eventual demanda coletiva que viesse a ser proposta, como ocorreu no caso de que se cuida;

31. Mostra-se despicienda a pretensão dos Apelantes quanto à limitação da sua responsabilidade somente aos adquirentes que se desligaram da Cooperativa Centraljus e que contrataram com a Pallissander, pois este limite já decorre do próprio comando sentencial, mas deve-se fazer a observação de que a responsabilidade da Pallissander não se limita àqueles que com ela contrataram, haja vista que, nos termos das fundamentações expostas nos tópicos precedentes, trata-se de responsabilidade solidária em relação a todas as contratações formuladas pelos consumidores, mesmo aqueles que firmaram negócio com a J. Martini, a Cidade Ambiental e a Millenium;

32. Diante dos fatos supervenientes trazidos pelos apelantes, com a ratificação judicial da destituição das incorporadoras e a transferência da gestão dos empreendimentos Angra dos Reis e Terras Brasil para as respectivas associações, deve ser estendida a estes empreendimentos a solução relativa aos lucros cessantes dada ao empreendimento Verdes Brasil, de modo que o termo final para o cálculo desse dano material deve ser a data da efetiva assunção da administração dos empreendimentos pelas associações.

33. Dessa forma, a sentença deve ser reformada para estabelecer como termo final para a aferição do valor dos lucros cessantes, quanto ao empreendimento Angra dos Reis, a data em que registrado no ofício de imóveis competente a carta de adjudicação do lote em favor da Associação dos Promitentes Compradores do Edifício Angra dos Reis - APCEAR, expedida pelo juízo da Décima Quinta Vara Cível de Brasília, enquanto em relação ao empreendimento Terras Brasil, deve-se considerar como termo final para o cálculo dos lucros cessantes a data da entrega dos documentos referidos na sentença proferida no processo nº 2017.16.1.000249-7 à Associação dos Mutuários e Compradores do Condomínio Terras Brasil - AMCCTB.

34. 2ª Apelação: A responsabilidade da Apelante JMartini é evidente, sendo suficiente a caracterizá-la o só fato de ter assumido os empreendimentos por meio do malfadado Contrato de Incorporação Imobiliária, tendo ratificado naquele instrumento e nos informativos enviados aos consumidores o cumprimento dos prazos previstos para entrega das unidades imobiliárias em relação àqueles adquirentes que já haviam contratado com a Pallissander, que, aliás, informou nos autos, sem impugnação da J.Martini, que esta empresa não honrou os compromissos assumidos nos prazos previstos nos contratos porque realizou contratação em excesso de engenheiros e de pessoal administrativo, além de ter utilizado, em proveito próprio ou de terceiros, bens e haveres destinados às incorporações, tendo sido constatado despreparo dos contratados e a existência de negociações não profissionais com fornecedores de material de mão-de-obra, dando azo aos prejuízos no andamento das construções e, por conseguinte, aos consumidores adquirentes das unidades autônomas nos empreendimentos;

35. Há incidência do Código de Defesa do Consumidor no caso dos autos e, mesmo abstraindo os descumprimentos das regras específicas da incorporação imobiliária, o que já atraía a responsabilização dos apelantes, uma vez verificada a cadeia de consumo e advindos danos aos consumidores atribuíveis a qualquer dos fornecedores, impõe-se a responsabilidade solidária deles;

36. Frise-se que, ainda que não se cogitasse de qualquer culpa da J.Martini em face dos fatos ilícitos aqui verificados, esse elemento subjetivo é prescindível para a configuração da responsabilidade civil dos fornecedores frente aos consumidores, pois no âmbito das relações consumeristas temos responsabilidade objetiva (arts. 12 e 14 do CDC), bastando a comprovação do dano e do nexo causal, o que restou amplamente constatado nos autos, daí ser de todo descabida a alegação de que ocorrera caso fortuito e força maior a isentar a responsabilidade da Apelante;

37. 3ª Apelação: Éhoje indene de dúvidas o reconhecimento dos danos morais coletivos e a possibilidade de reparação civil, na doutrina majoritária e na jurisprudência, como consequência direta do nosso ordenamento jurídico, desde a Constituição Federal, passando pelo Código de Defesa do Consumidor e pela Lei da Ação Civil Pública, além de outros diplomas legais, tais os de proteção ao meio ambiente, isso face às transformações no próprio conceito de dano moral e à expansão do espectro de proteção para atender a novos aspectos da atividade humana, com as multitudinárias relações jurídicas ou meramente sociais contempladas na contemporaneidade;

38. Os direitos desse matiz (coletivos lato sensu), pois, estão vinculados a um dado grupo social ou a uma coletividade e, na definição do Código de Defesa do Consumidor, são transindividuais, de natureza indivisível, titularizados por pessoas indeterminadas, ligadas por circunstâncias de fato (interesses ou direitos difusos), conforme dicção do parágrafo único, I, do art. 81 daquele Diploma Legal, ou são os transindividuais, mas relativos a pessoas determinadas ou determináveis, ligadas por uma relação jurídica base (coletivos stricto sensu), segundo a dicção do inciso II do parágrafo único do art. 81 da mesma Lei;

39. Essa dimensão difusa ou coletiva desses interesses e direitos está atrelada, em face de sua própria natureza, a uma relevante repercussão social do dano, para além da lesão a direitos de determinadas pessoas, sem correlação, portanto, com os sentimentos de dor, sofrimento, angústia etc., que são conseqüências, embora não necessárias, do dano moral de caráter individual;

40. "Quando se fala em dano moral coletivo está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial."(in Cahali, Yussef Said, Dano Moral, 3ª edição. São Paulo Revista dos Tribunais, 2005, pp. 387-388);

41. As notícias veiculadas na mídia e mesmo a reverberação dos fatos pelos testemunhos dos próprios consumidores lesados, que se contam às centenas, sem considerar os núcleos familiares respectivos de cada consumidor, induzem na coletividade um abalo sistêmico na credibilidade das leis e dos aparelhos estatais forjados para a repressão de tais condutas, sendo imperioso que esses tipos de lesões a interesses gerais da comunidade, como a legítima expectativa de que poderá confiar no empresariado para atingir o sonho da casa própria, deva sofrer as conseqüências emanadas da lei, a qual constitui o ponto de partida para a entrega da pacificação social, mas não se encerra nela, pois o papel dos juízes e tribunais deste País há de contribuir para a construção de uma Nação mais justa, em que o cidadão se sinta amparado e confiante na força da lei e das instituições para a construção de uma verdadeira ordem democrática;

42. "Ouserá que alguém duvida que o cidadão brasileiro, a cada notícia de lesão a seus direitos não se vê desprestigiado e ofendido no seu sentimento de pertencer a uma comunidade séria, onde as leis são cumpridas? A expressão popular 'o Brasil é assim mesmo' deveria sensibilizar todos os operadores do Direito sobre a urgência na reparação do dano moral coletivo." (RAMOS, André de Carvalho. Ação Civil Pública e o Dano MoralColetivo. Revista dos Tribunais. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 25, jan./mar. 1998. p. 80-98);

43. Especialmente em sede de relações de consumo, revela-se com adequação inquestionável a aplicação da função punitiva da reparação por danos morais (Teoria do Desestímulo), que se desdobra na finalidade de prevenção, atendendo, assim, ao disposto no art. 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor;

44. 3ª Apelação: Ao lado dos danos materiais e morais sofridos pelos consumidores adquirentes das unidades imobiliárias nos empreendimentos citados nos autos, já reconhecidos na sentença recorrida, houve lesão a interesses e direitos de ordem coletiva (lato sensu), a saber, a comunidade também foi vítima das condutas ilícitas aqui retratadas, tendo sido abalada nos valores supraindividuais ligados à credibilidade nas instituições e no cumprimento das leis, bem como por ver desprestigiada e fragilizada a segurança na efetivação de negócios jurídicos destinados ao alcance do sonho da casa própria, impondo-se uma reprimenda à altura de tal comportamento altamente reprovável dos Apelados, a fim de buscar recompor adequadamente a violação sofrida socialmente e desestimular a reiteração de tais violações de direitos, seja pelos próprios Apelados, seja por terceiros, como prevenção geral;

45. Assim, merece provimento o recurso do Autor, a fim de condenar os Apelados, solidariamente, ao pagamento de reparação por danos morais coletivos, no importe reclamado, ou seja, R$ 14.000.000,00 (catorze milhões de reais), destacando-se que tal valor foi requerido na inicial de cada uma das ações aqui julgadas, mas, no seu apelo, que diz respeito aos dois processos, o Parquet pugnou pela condenação apenas do referido montante, quantia que, a nosso juízo, se mostra adequada e proporcional ao caso dos autos.

46. Agravo Retido conhecido em parte e, nessa parte, não provido;

47. 1ª Apelação conhecida e provida em parte, para excluir dos beneficiários da sentença coletiva aqui combatida aqueles adquirentes que, no bojo de distrato/resolução do contrato de promessa de compra e venda, renunciaram expressamente a eventuais direitos a indenização por danos materiais e reparação por danos morais, bem como para estabelecer como termo final para o cálculo dos lucros cessantes em relação aos empreendimentos Verdes Brasil, Angra dos Reis e Terras Brasil as datas em que as respectivas associações de promitentes compradores assumiram a gestão dos empreendimentos, considerando-se as datas estipuladas no dispositivo deste Acórdão;

48. 2ª Apelação conhecida e não provida;

49. 3ª Apelação conhecida e provida, para condenar os Réus, solidariamente, ao pagamento de danos morais coletivos.
Decisão:
QUESTÃO DE ORDEM REJEITADA, MAIORIA, VENCIDO O PRIMEIRO VOGAL; AGRAVO RETIDO NÃO PROVIDO; UNÂNIME; RECURSO DA RÉ J MARTINI NÃO PROVIDO, UNÂNIME; RECURSO DOS RÉUS PALISSANDER E RUBENS SOARES BRANQUINHO PROVIDO EM PARTE POR MAIORIA, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, VENCIDO EM PARTE O PRIMEIRO VOGAL QUE LHE DAVA INTEGRAL PROVIMENTO; RECURSO DO MP PROVIDO EM PARTE NOS TERMOS DO VOTO DO PRIMEIRO VOGAL, VENCIDO EM PARTE O RELATOR E O QUARTO VOGAL QUE LHE DAVAM PROVIMENTO, E VENCIDO O SEGUNDO VOGAL E O TERCEIRO VOGAL QUE NEGAVAM PROVIMENTO, JULGAMENTO REALIZADO NOS TERMOS DO ART 942 DO CPC
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