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Classe do Processo:
20130310091140APR - (0009193-10.2013.8.07.0003 - Res. 65 CNJ)
Registro do Acórdão Número:
1116161
Data de Julgamento:
09/08/2018
Órgão Julgador:
2ª TURMA CRIMINAL
Relator:
MARIA IVATÔNIA
Revisor:
SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS
Data da Intimação ou da Publicação:
Publicado no DJE : 15/08/2018 . Pág.: 145/167
Ementa:

APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO QUALIFICADO PELO ABUSO DE CONFIANÇA. DIREITO AO SILÊNCIO. AUSÊNCIA DE ADVERTÊNCIA À RÉ EM SEDE INQUISITORIAL EMBORA QUALIFICADA COMO SUSPEITA. DESCONSIDERAÇÃO E DESENTRANHAMENTO DAS DECLARAÇÕES. ARTIGOS 5º, LXIII, CF E 157, § 1º, CPP. MUTATIO LIBELLI. SURGIMENTO NA INSTRUÇÃO PROCESSUAL DE ELEMENTO OU CIRCUNSTÂNCIA QUE IMPORTE MODIFICAÇÃO DA DEFINIÇÃO JURÍDICA DO FATO. DISPOSIÇÃO DE COISA ALHEIA COMO PRÓPRIA. AUSÊNCIA DE ADITAMENTENTO. CONDENAÇÃO PELO FATO DESCRITO NA DENÚNCIA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. IMPOSSOBILIDADE DE MUTATIO LIBELLI EM SEGUNDA INSTÂNCIA. SÚMULA 453, STF. RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA. INCABÍVEL RECONHECIMENTO DE OFÍCIO DE NULIDADE QUE PREJUDIQUE O RÉU. SÚMULA 160 DO STF. ABSOLVIÇÃO.

1. Nos termos do art. 5º, LXIII da CF/88, "o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado". O referido dispositivo constitucional consagra o direito fundamental ao silêncio, uma das implicações do princípio nemo tenetur se detegere, segundo o qual ninguém será obrigado a produzir provas contra si, modalidade de autodefesa passiva. 1.1. A referida garantia abrange subjetivamente qualquer indivíduo objeto de investigação policial ou que ostente a condição jurídica de imputado em processo penal. 1.2. Para tanto, o ordenamento jurídico define solenidade imprescindível que é a advertência ao indivíduo de que, com efeito, figura nesta condição, pelo que lhe será facultada a possibilidade de se calar quanto ao mérito, daí não podendo resultar qualquer prejuízo. 1.3. A omissão do dever de informação dos direitos ao suspeito gera nulidade e impõe a desconsideração das informações incriminatórias obtidas e das provas que delas derivam, salvo se não evidenciado o nexo de causalidade entre elas ou quando puderem ser colhidas por uma fonte independente - art. 157 e § 1º do CPP. 1.4. No caso, a apelante foi ouvida duas vezes na delegacia de polícia, em termos de declaração, sem que lhe antes fosse advertida sobre o seu direito ao silêncio, mesmo estando ela, formalmente, qualificada juridicamente como suspeita, motivo pelo qual os referidos termos são tidos por ilegais, recaindo sobre eles a sanção de nulidade, devendo, portanto, serem desconsiderados e desentranhados dos autos, vedada qualquer alusão aos seus elementos na formação da convicção do julgador.

2. De acordo com o art. 384 do CPP, encerrada a instrução probatória, se restar demonstrado o surgimento de elemento ou circunstância que importe modificação jurídica do fato, cabe ao membro do Ministério Público aditar a denúncia no prazo de cinco dias. Não realizado o aditamento, o § 1º do art. 384 determina a aplicação do art. 28 do CPP, funcionando o juiz, no tocante, como fiscal do referido ato, em decorrência do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública.

3. Apesar de denunciada pelo crime de furto qualificado pelo abuso de confiança e pelo concurso de pessoas, ao fim da instrução processual, os elementos de convicção apontaram no sentido de que os supostos envolvidos no crime, de fato, adquiriam os bens da ré de forma onerosa (motivo pelo qual se decotou a qualificadora do concurso de pessoas); da mesma forma, restou definido que a apelante apresentou diversas razões (inverídicas, pontuo) para validar a venda dos objetos às testemunhas, meio fraudulento perpetrado por ela, que se passou por proprietária, induzindo os adquirentes em erro, auferindo, então, a vantagem ilícita (valores pagos pelas testemunhas), causando prejuízo alheio (conforme Laudo de avaliação indireta).

4. Pelo que restou demonstrado, não houve ânimo de assenhoramento (animus rem sibi habendi) por parte da apelante, elemento subjetivo específico necessário à configuração do furto. Pela mesma razão (e além de não ter havido reclame dos bens pelo proprietário), o fato não se subsume ao delito de apropriação indébita. Do mesmo modo, não há que se falar em pos factum impunível (exaurimento) de eventual furto no que tange à venda da res; caracterizado, assim, o estelionato na modalidade de disposição de coisa alheia como própria, tipo limitado subjetivamente a quem não possui a condição jurídica de proprietário que, através de engodo, aliena bem se passando, falsamente, como dono, obtendo vantagem ilícita em prol de prejuízo alheio - art. 171, § 2º, I, CPB.

5. Na espécie, as instâncias formais da persecução penal envolvidas no caso se quedaram inertes, sendo a apelante condenada pelo crime de furto qualificado pelo abuso de confiança, contrariando o princípio da correlação entre a imputação e a sentença.

6. É vedada a aplicação da mutatio libelli em segundo grau (ressalvados os casos de competência originária do Tribunal), o que representaria usurpação funcional da jurisdição penal (violação do duplo grau), subtraindo da acusada a garantia de ter a sua nova imputação analisada em primeiro lugar pelo juiz de primeira instância. Tal vedação encontra-se expressa na súmula 453 da Corte Suprema, bem como é retirada da interpretação do art. 617 do CPP, dispositivo que restringe a atuação decisória do Tribunal no sentido de somente atender ao que previsto nos artigos 383 (emendatio libelli), 386 (absolvição) e 387 (condenação), fixando, deste modo, limite cronológico à mutatio libelli, qual seja, a impossibilidade de modificação fática da imputação após a sentença do juiz.

7. Em tese, restaria ao Tribunal sancionar de nulidade o feito, fazendo retornar os autos à fase processual pertinente, abrindo-se vista ao dominus litis para eventual aditamento da denúncia. Todavia, uma vez que se trata de recurso exclusivo da Defesa, que não impugnou especificamente a questão (efeito devolutivo), incabível reconhecimento de ofício de nulidade que prejudique a ré, como na espécie (princípio do ne reformatio in pejus), conforme entendimento sumulado no enunciado 160 do Supremo Tribunal Federal, motivo pelo qual deve a apelante ser absolvida.

8. Recurso conhecido e provido.
Decisão:
Forte nesses argumentos, conheço do recurso e, na sua extensão, dou-lhe provimento para absolver a apelante pela prática do crime descrito no art. 155, § 4º, II, CPB com fundamento no inciso IV do art. 386 do CPP, vez que ela não praticou o crime de furto qualificado narrado na inicial.
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