PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. AMEAÇA. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. PROVA SUFICIENTE DA MATERIALIDADE E AUTORIA. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. NÃO APLICAÇÃO. DESÍGNIOS AUTÔNOMOS. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS. DESOBEDIÊNCIA. ATIPICIDADE. DOSIMETRIA. PENA-BASE. CONDUTA SOCIAL. FUNDAMENTAÇÃO EM FATOS CONCRETOS. AGRAVANTE. EXASPERAÇÃO PROPORCIONAL. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
1 - Em crimes cometidos na intimidade do lar, na clandestinidade, reputa-se ao depoimento da vítima especial importância, à medida que agressões e ameaças praticadas contra a mulher são fatos normalmente ocorridos às escondidas, no âmbito das relações pessoais e familiares, podendo lastrear a condenação quando se apresenta lógica, consistente e conta com o amparo de outros elementos de convicção.
2 - O objeto jurídico do crime de ameaça é a tranquilidade de espírito, a sensação de segurança e a liberdade da vítima, cujo mal injusto, grave, sério e verossímil suficiente para que a vítima se sinta ameaçada, temerosa, acreditando que algo de grave possa lhe acontecer.
3 - A violação de domicílio consiste em crime de mera conduta, que se configura pelo dolo genérico de se adentrar em casa alheia ou suas dependências, sem que haja o consentimento de quem de direito. Busca-se tutelar a segurança, a intimidade e a vida privada do indivíduo.
4 - No caso, a prova documental (auto de prisão em flagrante; termos de requerimento de abertura de investigação e representação; requerimento de medidas protetivas em favor da vítima; boletim de ocorrência policial; e decisão judicial concessiva de medidas protetivas em favor da vítima) e oral (declarações da vítima e do policial militar atuante nas diligências do caso) são harmônicas e coerentes para demonstrar suficientemente que o apelante proferiu ameaças de causar mal injusto e grave à vítima, utilizando-se de expressões como "hoje a sua casa cai" e que "veria a mãe dentro de um caixão". Ainda, que o apelante adentrou na residência da vítima sem seu consentimento, pulando o muro numa primeira ocasião e, no dia seguinte, abrindo o ferrolho do portão, não obstante estarem vigentes medidas protetivas, dentre as quais, o afastamento do lar, proibição de aproximação da vítima por menos de 200 (duzentos) metros e proibição de contato com por qualquer meio de comunicação.
5 - Por ausência de acessoriedade entre as condutas, não há que se falar na aplicação do princípio da consunção quando demonstrado pelas provas produzidas que o apelante praticou os crimes de ameaça e violação de domicílio autonomamente, com desígnios distintos.
6 - "A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça está pacificada no sentido de que o descumprimento de medidas protetivas estabelecidas na Lei Maria da Penha não caracteriza a prática do delito previsto no art. 330 do Código Penal, em atenção ao princípio da ultima ratio, tendo em vista a existência de cominação específica nas hipóteses em que a conduta for praticada no âmbito doméstico e familiar, nos termos do art. 313, III, do Código de Processo Penal" (STJ. HC 406.951/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 26/09/2017, DJe 06/10/2017). Precedentes STJ e TJDFT.
7 - A lei não impõe a observância de qualquer critério matemático para quantificar o quantumde elevação da pena-base diante do exame desfavorável de circunstâncias judiciais, garantindo-se ao Órgão Sentenciante, atrelado que está às particularidades fáticas do caso concreto e às características subjetivas do agente, a discricionariedade necessária à fixação de pena justa, razoável e proporcional. Assim, faz-se possível a utilização do critério objetivo/subjetivo, segundo o qual se divide a diferença entre os limites máximo e mínimo da pena abstratamente cominada pelo divisor 8 (oito), para se chegar ao quantumde exasperação da pena-base, isso por cada uma das circunstâncias judiciais analisadas em desfavor do sentenciado, como norte para o julgador balizar o exercício da discricionariedade que lhe é outorgada dentro dos parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade.
8 - Mantém-se a análise negativa da circunstância judicial referente à conduta social do agente, quando devidamente comprovado nos autos que aquele é usuário de drogas e contra si constam registros de ocorrências anteriores no contexto da Lei 11.340/2006 contra a mesma vítima.
9 - Na segunda fase da dosimetria , prevalece o entendimento segundo o qual o reconhecimento de cada circunstância agravante autoriza o acréscimo de 1/6 (um sexto) à pena-base.
10 - Recurso conhecido e parcialmente provido.
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Acórdão 1060741, 20151010094173APR, Relator: MARIA IVATÔNIA, 2ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 16/11/2017, publicado no DJE: 22/11/2017. Pág.: 184/201)