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Classe do Processo:
20160020245629IDR - (0026387-27.2016.8.07.0000 - Res. 65 CNJ)
Registro do Acórdão Número:
1023716
Data de Julgamento:
29/05/2017
Órgão Julgador:
Câmara de Uniformização
Relator:
GILBERTO PEREIRA DE OLIVEIRA
Data da Intimação ou da Publicação:
Publicado no DJE : 12/06/2017 . Pág.: 534
Ementa:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. MÁTERIA PROCESSUAL. CONFLITOS DE COMPETÊNCIA. VARA DE FAZENDA PÚBLICA X JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA. RESOLUÇÃO 7/2010 TJDFT. LEI 12.153/2009. INTERNAÇÃO UTI. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. QUESTÃO PRIMORDIAL. SAÚDE. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA. DEMASIADA PROLIFERAÇÃO DE DEMANDAS COM SOLUÇÕES DISTINTAS. DIVERGÊNCIA. ADMISSIBILIDADE DO INCIDENTE. IRDR PROCEDENTE. TESE FIXADA. APERFEIÇOAMENTO DOS CRITÉRIOS DEFINIDORES DA COMPETÊNCIA.



I. Como sabido o incidente de resolução de demandas repetitivas, faz parte do que o Código de Processo Civil denominou no art. 928 de julgamento de casos repetitivos, tal qual o são os recursos especiais e extraordinários repetitivos, aludindo o parágrafo único, do mesmo dispositivo, que o julgamento de casos repetitivos tem por objeto questão de direito material ou processual.

II. Nesse ponto, é bom que se chame a atenção para a nomenclatura adotada pelo Código, já que, questão jurídica controvertida é o mesmo que dizer que os órgãos jurisdicionais se debruçarão sobre a causa e não sobre os casos, este último tendo por significado à situação fática.

III. Trata-se de uma diferença sutil, mas que faz uma grande diferença prática, pois quando o Códex processual se referiu à questão ou também podendo ser denominado causa, deu ao presente incidente uma desvinculação do processo originário, já que o objeto fulcral do incidente de resolução de demandas repetitivas não é o julgamento do caso trazido à apreciação, mas sim da questão de direito envolvida, para que o tribunal fixe tese, que tenha por escopo irradiar para todos os órgãos jurisdicionais sobre a hierarquia daquele tribunal uniformidade, estabilidade, integridade e coerência na sua jurisprudência (art. 926), tanto é assim que o art. 927, elencando as hipóteses em que os juízes e tribunais observarão no múnus jurisdicional, trouxe no inciso III: "os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamentos de recursos extraordinários e especial repetitivos.".

IV. Controvérsia acerca da possibilidade de julgamento pelos Juizados Especiais das causas envolvendo saúde surgida com o esgotamento dos efeitos da Resolução nº 7, de cinco de Abril de 2010, a qual em seu artigo 3º, valendo-se do art. 23 da Lei que cria os Juizados Fazendários, limitou a competência desses órgãos, excluindo, durante cinco anos, o julgamento das ações que tenham por objeto prestação de serviços de saúde e fornecimento de medicamentos.

V. Não se pretende com este incidente estabelecer um único órgão como competente para o julgamento dos casos envolvendo internação em leito de UTI ou fornecimento de medicamento independentemente das variáveis que cada demanda possa apresentar, mas, apenas, melhor delimitar os critérios para a devida fixação da competência, os quais deverão ser abalizados e aplicados de acordo com os contornos fáticos retratados.

VI. Primeiro ponto analisado é se haveria a incidência subsidiária do art. 8º da Lei nº. 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais), no ponto em que estabelece que o incapaz não poderá ser parte no processo instituído por aquela lei e, caso aplicável, se a incapacidade momentânea do enfermo para exercer certos atos afastaria a competência do juizado.

VII. A Lei nº. 12.153/09, inobstante tenha em seu art. 26 determinado a aplicação subsidiária da Lei 9.099/95, o fez, isso é fato, por técnica legislativa e do próprio cerne da expressão subsidiário, naquilo que não haja disposto de forma diferente.

VIII. Nesse sentido, considerando que o art. 2º, §1º da Lei Fazendária traz expressamente as causas que não se incluem na competência do Juizado Especial da Fazenda Pública, não teria razão de acrescer a esse rol as hipóteses de não processamento dos Juizados Cíveis.

IX. Por regra basilar de hermenêutica os textos normativos com conteúdo restritivo de direito devem ser interpretados estritamente, sendo assim, aplicar essa restrição a Lei do Juizado Especial Fazendário estaria simplesmente a inserir limitações aos particulares que não foram acrescidas na regra específica que trata do JEFP, para, além disso, também é de vasto conhecimento no campo jurídico que a legalidade para o particular funciona de forma diversa da qual é para a Administração Pública, já que vige para o particular não a legalidade estrita do Direito Público, pela qual a Administrador Público só pode fazer aquilo que a Lei permite, mas, muito pelo contrário, as limitações aos direitos dos particulares só podem ser efetivadas mediante expressa previsão, pois, aonde não há restrição, está livre o particular para agir.

X. Estender, por exegese judicial, uma restrição não prevista na legislação especial, que trata dos juizados fazendários, seria nitidamente estabelecer uma limitação ao direito de particulares não previstos na norma, quiçá, seria por interpretação judicial, violar o princípio constitucional da inafastabilidade jurisdicional, considerando que os juizados têm por ideologia a democratização e desburocratização do acesso ao Poder Judiciário, não é crível que o órgão jurisdicional estabeleça restrições que a Lei não previu.

XI. Por outro lado, mesmo que se considerasse a aplicação do art. 8º da Lei 9.099/95 subsidiariamente a Lei 12.153/09, dos juizados fazendários, certo é que o fato de a parte estar momentaneamente privada da capacidade completa para exercer pessoalmente os atos da vida civil, em decorrência de alguma moléstia que lhe tenha afligido não pode lhe tirar a possibilidade de postular perante o juizado especial da fazenda pública, já que a presunção é de capacidade a partir dos dezoito anos e não ao contrário, só podendo a parte ser reputada como incapaz civilmente, para efeito de obstação do ajuizamento no juizado, caso tenha precedido de processo de interdição, o que não acontece, na maioria dos casos.

XII. O Código Civil estabelece no art. 5º que a menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil, ou seja, torna-se pessoa capaz, havendo, nesse caso, uma presunção relativa de sua capacidade para o exercício de todo e qualquer direito na ordem civil.

XIII. Nessa toada, ressalvada a incapacidade decorrente do critério etário que tem efeito automático por causa da expressa previsão legal, certo é que, toda e qualquer outra incapacidade para exprimir vontade que advenha de causa transitória ou permanente deve ser devidamente reconhecida, pelo procedimento de interdição, na linha do que delimita o art. 747 e os ss., do Código de Processo Civil.

XIV. Por tais considerações, é nítido que nas causas que envolvam pedido de internação em leito de UTI ou fornecimento de medicamento, eventual incapacidade temporária daquele que esteja acometido de alguma patologia, não afasta, a priori, a competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública.

XV. É notório que a mens legis na criação dos Juizados Especiais foi a democratização e desburocratização do acesso ao judiciário, no intuito de tornar o Estado Juiz presente naqueles casos de menor complexidade que, muitas vezes, escapavam do controle jurisdicional, gerando um grande acréscimo no que alguns doutrinadores, tais como Kazuo Watanabe, denominam por lide contida ou litigiosidade contida.Nesse descortino, impende esclarecer o que seria, para os efeitos da Lei, o verdadeiro significado da expressão complexidade, que, por seu turno, poderia afastar a competência dos juizados.

XVI. Certo é que, a complexidade pode ser avaliada sobre dois prismas: primeiro, quanto à matéria de fundo objeto da demanda, quando a questão debatida nos autos envolve mais do que uma simples aplicação da legislação, envolvendo um emaranhado de interpretações, demandando do intérprete uma análise holística do sistema normativo com, consequente, ponderação de interesses e direitos e; segundo, quando envolver uma fase de dilação probatória mais robusta, com provas periciais e até mesmo a convergência de diversos tipos de provas para a elucidação da questão.Por esse ângulo, é relevante destacar que não há na jurisprudência tanto deste tribunal, quanto das Cortes de Superposição, uma unanimidade sobre qual prisma deveria ser avaliado, ou se sobre os dois mencionados, havendo forte corrente defendendo que a complexidade que afastaria a competência dos Juizados Especiais seria a probatória, quando a demanda envolvesse provas dificultosas e; outra corrente, sustentando que seria mais adequada a conjugação dos dois prismas para a intelecção da expressão baixa complexidade, ou seja, a combinação entre a profundidade da questão de direito e da complicação no campo probatório.

XVII. Sobre a ótica da questão de direito, a princípio, não se trata de questão de grande complexidade, já que é nítido o direito do cidadão brasileiro aos serviços públicos de saúde, em espécie, no art. 6º, 194, 196 e ss. da Carta Magna, no art. 204 e ss. da Lei Orgânica do Distrito Federal, além é claro da Lei nº. 8.080/90, sendo obrigação de o Estado garantir ao cidadão que dele necessita o tratamento médico hospitalar, não demandando interpretações mais profundas de nosso sistema normativo, ressalto novamente, que a análise aqui demandada é em tese, pois não se descarta a possibilidade de, em alguns casos, os particulares demandarem tratamentos que não sejam normalmente oferecidos pelos serviços públicos de saúde, ou que não estejam regularizados pelos órgãos regulamentadores, podendo, nesses casos específicos, demandarem uma complexidade maior na análise jurídica.

XVIII. Na mesma linha, em relação à questão fática ou de discussão probatória, a priori, também não demandam grande complexidade.

XIX. Como bem destacado pelos Distrito Federal e, inclusive, ratificado pelo Ministério Público, em regra, a matéria é simples de ser comprovada, já que, na maioria das ações, basta à juntada, pela parte postulante, na petição inicial do laudo do médico indicando o tratamento ou o fornecimento do medicamento, para que o juiz reste convencido da necessidade do tratamento e dê procedência ao pedido, não havendo dilação probatória robusta.

XX. Diante de todas essas reflexões e ponderações, conclui-se que, em princípio, as demandas envolvendo fornecimento de medicamento e internação em leito de UTI, não apresentam, de plano, alta complexidade apta a afastar a competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, não descuidando de pesar que o caso concreto, pode claramente apresentar contornos mais robustos que invariavelmente reivindicarão o declínio para as Varas de Fazenda Pública.

XXI. Os processos de fornecimento de medicamento e internação em leito de UTI têm por objeto principal uma obrigação de fazer e não uma obrigação de dar ou pagar, qualquer valor.

XXII. Nos processos de fornecimento de medicamento, caso o Distrito Federal não forneça o fármaco, o juiz determina o seqüestro, não por converter a ação em perdas e danos, mas sim, com base no poder geral de cautela, assegurado no art. 139, inciso IV, do Código de Processo Civil, que lhe possibilita adotar todas as medidas indutivas, coercitivas ou mandamentais necessárias para tornar efetiva a ordem judicial.

XXIII. Da mesma forma, nas ações de internação em leito de UTI, caso não haja leitos de unidade de terapia intensiva na rede pública, diante do pedido subsidiário formulado pela parte ou até mesmo de ofício, o juiz determina a internação em leitos da rede privada às expensas do poder público, mas deve ficar frisado que o hospital privado que, porventura, forneceu o leito não participou da lide e, em conseqüência, não pode ser afetado e nem pedir nada naquele processo.

XXIV. A discussão de valores devidos a rede particular será objeto de procedimento administrativo, e se houver alguma espécie de controvérsia nos valores entre o ente público e o hospital particular poderá haver o ajuizamento, mas, bom que se repise, de outra ação e não aquela do cidadão que, ratifico, apenas discute o direito a prestação do serviço público de saúde.

XXV. Nesse trilhar é claro que o que se esta a discutir não é qualquer indenização, mas apenas a obrigação de fazer estatal, qual seja, a de prestar o serviço público de saúde de qualidade, com todos os meios e encargos a ele inerentes.

XXVI. Dessa forma, seja por qual lado ou perspectiva se investigue as demandas em apreço, não há como fugir de uma verdade indelével, os valores dados a esse tipo de causa, tem caráter meramente estimativo, seja por não poder precisar, de início, o exato valor dos tratamentos, seja pelo objeto principal se subsumir a uma obrigação de fazer estatal, consubstanciada na prestação do serviço público de saúde e, não a pecúnia ou qualquer valor à título indenizatório.

XXVII. De todo o exposto, resta claro que o valor da causa não é um critério adequado para constatação se as ações de fornecimento de medicamento ou pedido de internação em leito de UTI podem ou não ser processadas perante o Juizado Especial da Fazenda Pública, já que partem de um aspecto meramente estimativo, seja pela impossibilidade de quantificar, a priori, o valor do tratamento, seja pela natureza do pedido ser eminentemente cominatória e não visar valor específico.

XXVIII. Para os efeitos do art. 985 do Código de Processo Civil e dentro dos limites fixados na decisão de admissibilidade, fixo as seguintes teses jurídicas: A) Nos casos que envolvam pedido de internação em leito de UTI ou fornecimento de medicamento, eventual incapacidade temporária daquele que esteja acometido de alguma patologia, não afasta a competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública. B) As ações que têm como objeto o fornecimento de serviços de saúde não encerram, por si só, complexidade apta a afastar a competência do Juizado Especial Fazendário, ressalvada a necessidade de produção de prova complexa a atrair a competência do Juízo de Fazenda Pública; C) Considerando que as ações que têm como objeto o fornecimento de serviços de saúde, inclusive o tratamento mediante internação, encartam pedido cominatório, o valor da causa, fixado de forma estimativa, é irrelevante para fins de definição da competência.

XXIX. Julgou-se procedente o IRDR. O entendimento não foi aplicado a causa piloto, tendo em vista a sua extinção, por perda do objeto.
Decisão:
Acolhido o Incidente. Fixadas as teses do Relator. Decisão por maioria
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