APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PRELIMINARES. INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO. REJEIÇÃO. APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ NÃO VIOLADO. FÉRIAS. ILEGALIDADE DE RELATÓRIO POLICIAL. NÃO CABIMENTO. FORNECIMENTO DE ELEMENTOS PARA O MINISTÉRIO PÚBLICO PROMOVER A AÇÃO PENAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE PERGUNTAS, DILIGÊNCIA E PROVA. NÃO CONFIGURAÇÃO. QUESTIONAMENTOS SEM RELAÇÃO COM A CAUSA. DILIGÊNCIA CONTRÁRIA À MORALIDADE E AOS PRINCÍPIOS ENCARTADOS NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. INDEFERIMENTO DA PROVA DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AO RÉU. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE DEMONSTRADAS. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONTRAVENÇÃO PENAL PREVISTA NO ARTIGO 65 DO DECRETO-LEI Nº 3.688/1941. REPARAÇÃO DOS DANOS CAUSADOS PELA INFRAÇÃO. AFASTAMENTO. AUSÊNCIA DE PEDIDO EXPRESSO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Havendo sujeição física e psíquica da ofendida em relação ao apelante - seu tio e padrinho -, e tendo o delito sido cometido por motivação de gênero, aplica-se ao caso a Lei Maria da Penha, de forma que não há que se falar em incompetência do Juízo sentenciante.
2. A violação ao princípio da identidade física do juiz não se caracteriza se o magistrado que presidiu a audiência de instrução e julgamento se encontrava no gozo de férias na data da conclusão para sentença, como no caso em tela.
3. O relatório policial apresentado em sede de inquérito serve para fornecer indícios de materialidade e autoria ao Ministério Público, para que dê início à ação penal para apurar a verdade real dos fatos. Tratando-se as provas colhidas na fase inquisitiva de meras provas preliminares, colhidas sem o crivo do contraditório, de acordo com o sistema misto de processo penal adotado no país, inviável o acolhimento do pedido de ilegalidade do relatório policial.
4. Como os questionamentos da Defesa que foram indeferidos pela Magistrada que presidiu a audiência não possuíam qualquer relação com a causa, foi corretamente aplicado o disposto no artigo 212 do Código de Processo Penal.
5. A diligência requerida pela Defesa, consistente na reconstituição do crime sexual, é totalmente contrária à moralidade e aos princípios encartados no Estatuto da Criança e do Adolescente, de modo que correto o indeferimento do pedido.
6. A Juíza sentenciante deixou de apreciar, no momento da fixação da pena, laudo técnico apresentado pela Defesa. Considerando que a pena cominada ao réu na sentença restou fixada no mínimo legal em todas as suas fases, não existiu prejuízo algum ao réu, de modo que deve ser aplicado ao caso o disposto no artigo 563 do Código de processo Penal, que reza que "nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa".
7. Inviável o acolhimento da tese de ausência de provas para a condenação, pois a vítima prestou depoimentos coerentes e condizentes com as demais provas dos autos, sendo seus relatos corroborados pelos demais testemunhos. Todavia, a conduta imputada ao réu - passar a mão nas partes íntimas da vítima, de maneira superficial - não configura o crime de estupro de vulnerável, mas a contravenção penal prevista no artigo 65 da Lei de Contravenções Penais.
8. Não havendo pedido expresso nos autos da parte da ofendida ou do Ministério Público, o que impossibilitou o direito ao contraditório, deve ser afastada a fixação de valor mínimo a título de reparação de danos morais.
9. Recurso conhecido e parcialmente provido para desclassificar o crime de estupro de vulnerável para a contravenção penal prevista no artigo 65 da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/1941), fixada a pena em 30 (trinta) dias de prisão simples, no regime aberto, sendo substituída por uma restritiva de direitos, nos moldes e condições a serem fixados pelo Juízo das Execuções de Penas e Medidas Alternativas - VEPEMA, respeitando-se a vedação a penas de cesta básica ou de prestação pecuniária, nos termos do artigo 17 da Lei 11.340/2006.