DIREITO CONSTITUCIONAL E CIVIL - AÇÃO DE ALTERAÇÃO DE NOME E DE GÊNERO NO REGISTRO CIVIL - APELAÇÃO - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - DIREITO A NÃO DISCRIMINAÇÃO - IDENTIDADE DE GÊNERO - PROCESSO TRANSEXUALIZADOR - COMPLEXIDADE - MODIFICAÇÃO DO NOME E DO GÊNERO DE FEMININO PARA MASCULINO - TRANSGENITALIZAÇÃO - DESNECESSIDADE - EXPOSIÇÃO A SITUAÇÕES VEXATÓRIAS OU AO RIDÍCULO - VIOLAÇÃO DAS NORMAS DA LEI DE REGISTRO PÚBLICO - PROVIMENTO DO RECURSO.
1. A identidade de gênero é o estado psicológico que reflete a noção interna de uma pessoa de ser homem ou mulher, sentimento que geralmente se correlaciona ao sexo fisiológico e anatômico. Contudo, há casos em que, embora fisiologicamente a pessoa pertença a um gênero, ela se identifica com o gênero oposto. Essa condição impõe ao indivíduo um extremo desconforto com o próprio sexo e com o papel de gênero, o que pode levá-lo a um estado de sofrimento profundo, especialmente quando considerado o sentimento de inadequação social que o acomete, de não pertencer ao contexto no qual é enquadrado, de diferenciações, às vezes injuriosas ou difamantes, advindas de práticas discriminatórias contra ele perpetradas desde a infância.
2. A análise do direito dos transexuais alterarem o nome e o gênero constantes do registro civil, ainda que não concluído o processo transexualizador, deve considerar que asexualidade de uma pessoa não se restringe às suas condições fisiológicas ou anatômicas. Ao contrário, refere-se a um conjunto de atributos que também leva em conta as características psicológicas que compõem o ser humano, porque a maneira como a pessoa se sente, com a qual se identifica, enquanto aspecto emocional, constitui fator integrante da generalidade sexual.
3. O processo transexualizador não se refere unicamente à alteração do órgão reprodutor, mas compõe um procedimento complexo que envolve desde um rigoroso diagnóstico médico à submissão à hormonioterapia (Portaria 457 do Ministério da Saúde e da Resolução 1.955/2010 do Conselho Federal de Medicina), razão pela qual a alteração do nome e do gênero da pessoa transexual não deve ser condicionada à realização da cirurgia de mudança de sexo, mas sim analisada a partir da observância do contexto global em que se encontra a parte interessada.
4. A pessoa transexual pode adotar nome que reflita a identidade de gênero com o qual se identifica ainda que não realizada a transgenitalização, haja vista a existência de justo motivo para a alteração (Lei 6.015/73, 55, parágrafo único, 57 e 58) bem como a incidência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da não discriminação (CR, 1º, III, e 3º, IV,). Fundamentação idêntica justifica a mudança do gênero de feminino para masculino no registro civil, porque a discrepância documental entre nome e gênero exporia a parte a situações vexatórias ou ridículas, circunstância que refoge ao espírito das normas contidas na Lei de Registros Públicos.
5. Recurso provido.
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Acórdão 911796, 20140710125954APC, Relator: LEILA ARLANCH, , Revisor: GISLENE PINHEIRO, 2ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 25/11/2015, publicado no DJE: 16/12/2015. Pág.: Sem Página Cadastrada.)