CIVIL. PROCESSO CIVIL. CONTRATO DE MÚTUO. PAGAMENTO. DESCONTO DE PRESTAÇÕES PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. LIMITE LEGALMENTE ESTABELECIDO (30%). art. 116, §2º, da Lei Complementar Distrital nº 840/2011 e art. 10 do Decreto Distrital nº 28.195/2007. OBSERVÂNCIA. DÉBITO EM CONTA CORRENTE. quantia significativa. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO MÍNIMO EXISTENCIAL. LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS EFETUADOS NA CONTA CORRENTE EM 30% DO VALOR DEPOSITADO. ANALOGIA. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA BOA FÉ E DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
1 - O salário, diante de sua natureza alimentar, é instituto protegido constitucionalmente (art. 7º, inciso X, da Constituição Federal) contra eventuais abusos contra ele impingidos, dentre os quais se encontra sua retenção dolosa.
2 - Afim de dar efetividade à norma constitucional mencionada e contemplar a natureza alimentar do salário, foram criados alguns mecanismos cujo objetivo é garantir a proteção desse instituto de forma a assegurar o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal) e o mínimo existencial inerente a todos os indivíduos, dentre os quais se encontram a impenhorabilidade do salário disposta no artigo 649, inciso IV do Código de Processo Civil, a Lei nº 10.820/2003 e o Decreto nº 6.386/2008 que tratam da consignação em folha de pagamento para os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho e para os servidores públicos federais, respectivamente, bem como a Lei Complementar Distrital nº 840/2011 e o Decreto Distrital nº 28.195/2007, que dispõe sobre as consignações em folha de pagamento dos seus servidores civis e militares.
3 - Nos termos do art. 116, §2º, da Lei Complementar Distrital nº 840/2011 e do art. 10 do Decreto Distrital nº 28.195/2007, a soma das consignações facultativas não poderá exceder a 30% da respectiva remuneração.
4 - In casu, os valores mensais das parcelas dos contratos de mútuo cujos pagamentos ocorrem por meio de consignação em folha perfazem quantia aquém do limite de 30% estabelecido legalmente como margem consignável.
5 - A Lei Complementar e o Decreto mencionados não impedem que o servidor contrate empréstimo com prestações em valor superior, a ser pago mediante débito em conta corrente. Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça já pacificou entendimento no sentido de que é vedada a apropriação integral ou substancial dos depósitos feitos a título de salários ou rendimentos em conta bancária de seus clientes visando à cobrança de débito decorrente de contrato de mútuo entabulado, ainda que existente cláusula permissiva no contrato de adesão.
6 - Conquanto condenável o endividamento desmesurado e a falta de planejamento financeiro por parte do consumidor, a instituição financeira deve agir em observância aos princípios da boa fé contratual e da função social do contrato, devendo primar pela salvaguarda dos direitos da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial, motivo pelo qual este E. TJDFT tem aplicado, por analogia, o limite legalmente definido (30%) quando constatado que os valores descontados pelas instituições financeiras diretamente na conta corrente do indivíduo abrange a totalidade ou grande parte do seu rendimento.
7 - Recurso conhecido e parcialmente provido.
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Acórdão 896906, 20140110628303APC, Relator: ALFEU MACHADO, , Revisor: ROMULO DE ARAUJO MENDES, 1ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 30/9/2015, publicado no DJE: 9/10/2015. Pág.: 154)