DIREITO CIVIL. APELAÇÃO E RECURSO ADESIVO. CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. RESSARCIMENTO DE QUANTIA CERTA PAGA SOB O TÍTULO DE ACORDO PARA QUITAÇÃO DAS PARCELAS INADIMPLIDAS. POSSIBILIDADE. ADOÇÃO DE CONDUTA CONTRADITÓRIA E CONTRÁRIA AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA POR PARTE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DANO MORAL. NÃO CARACTERIZADO. SENTENÇA MANTIDA.
1 - Conforme dicção do art. 113 do CC/02, "os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé". Pela cláusula geral do art. 422 do mesmo Código, "Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé". O art. 422 alarga a cláusula geral em favor de ambos os contratantes; além disso, estende o princípio da boa-fé objetiva a todas as fases da contratação. Aqui, prosperam os deveres de proteção e cooperação com os interesses da outra parte - deveres anexos ou laterais -, o que propicia a realização positiva do fim contratual, na tutela dos bens e à pessoa da outra parte.
2 - O princípio da boa-fé objetiva trata-se da "confiança adjetivada", uma crença efetiva no comportamento alheio. O princípio compreende um modelo de eticização de conduta social, verdadeiro standard jurídico ou regra de comportamento, caracterizado por uma atuação de acordo com determinados padrões sociais de lisura, honestidade e correção, de modo a não frustrar a legítima confiança da outra parte.
3 - A boa-fé objetiva serve como parâmetro objetivo para orientar o julgador na eleição das condutas que guardem adequação com o acordado pelas partes, com correlação objetiva entre meios e fins. O juiz terá de se portar como um "homem de seu meio e tempo" para buscar o agir de uma pessoa de bem como forma de valoração das relações sociais. Nesse contexto, a boa-fé sempre será concretizada em consonância com os dados fáticos que se revelarem na situação jurídica.
4 - Se evidenciada da situação jurídica delineada nos autos que a instituição financeira adotou conduta contraditória e contrária à boa-fé objetiva, uma vez que recebeu quantia certa estipulada em tentativa de acordo entre as partes para quitação das parcelas inadimplidas, ao passo que alega desconhecer o suposto acordo e o pagamento das parcelas mensais anteriores, deve devolver ao tomador do empréstimo o valor certo por ele pago.
5 - Na hipótese, se a instituição financeira reputa que o acordo não chegou a ser homologado, de modo a promover os respectivos efeitos, deve restituir a quantia que lhe foi paga pelo autor, e, a partir da nova conjuntura, tomar as medidas que entenda cabíveis para recuperação do débito inadimplido e/ou reintegração na posse do veículo. O que não se mostra razoável é apropriar-se do valor que lhe foi pago e ao mesmo tempo negar-se a reconhecer o pagamento da integralidade do débito.
6 - Somente é passível de indenização o dano moral cuja ofensa a direitos da personalidade fuja à normalidade, interferindo intensamente no comportamento psíquico-físico do ofendido, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do cotidiano, essas situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo.
7 - No caso sob análise, mesmo que o autor tenha sofrido humilhações e constrangimentos pelo fato de a ré não reconhecer o acordo e eventual quitação do contrato, bem como promover a retirada do gravame nos documentos do veículo perante o DETRAN, não há nenhum elemento nos autos que demonstre que esses sentimentos tenham ultrapassado a barreira da normalidade, a ponto de interferir sobremaneira no seu comportamento psíquico-físico, e, assim, legitimar a indenização por danos morais.
8 - Embora na relação de consumo a responsabilidade dos fornecedores de bens de consumo e de serviços pelo fato do produto ou do serviço seja objetiva, prescindindo de análise de culpa, é necessária a caracterização do nexo causal entre o defeito do serviço e o dano experimentado (CDC, art. 14). Não caracterizado esse liame causal, não há se falar em indenização por dano moral.
9 - Não se cogita de dano moral in re ipsa se a alegação de inscrição nos órgãos de proteção ao crédito por dívida em relação ao objeto do contrato encontra-se desprovida de comprovação.
10 - Negou-se provimento à apelação interposta pela ré e ao recurso adesivo interposto pelo autor.
(
Acórdão 857158, 20130910258689APC, Relator: MARIA IVATÔNIA, 1ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 18/3/2015, publicado no DJE: 27/3/2015. Pág.: 134)