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Classe do Processo:
20150111264289APC - (0036790-86.2015.8.07.0001 - Res. 65 CNJ)
Registro do Acórdão Número:
1139093
Data de Julgamento:
21/11/2018
Órgão Julgador:
1ª TURMA CÍVEL
Relator:
TEÓFILO CAETANO
Data da Intimação ou da Publicação:
Publicado no DJE : 27/11/2018 . Pág.: 252/264
Ementa:

DIREITO CIVIL, DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE RESCISÃO CONTRATUAL E INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. CONTRATO DE CESSÃO DE DIREITOS DE USO DE SOFTWARE E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. DÉBITO. ORIGEM. MULTA CONTRATUAL. CESSAÇÃO DA AVENÇA SEM PRÉVIA NOTIFICAÇÃO DA CONTRAPARTE. CLÁUSULA PENAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. PESSOA JURÍDICA. VULNERABILIDADE TÉCNICA. CONFIGURAÇÃO. TEORIA FINALISTA APROFUNDADA. CARACTERIZAÇÃO. FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. IMPRECAÇÃO. DEFEITOS DE FUNCIONALIDADE DO SOFTWARE. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO. INADIMPLEMENTO CULPOSO. RESOLUÇÃO DO CONTRATO. RECONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DOS DEFEITOS. SISTEMA COMPUTACIONAL. FUNCIONALIDADES ATESTADA POR PROVA TÉCNICA. DIFICULDADES DE UTILIZAÇÃO CONTORNÁVEIS. AUSÊNCIA DE ESFORÇO DA USUÁRIA. ESGOTAMENTO DAS POSSIBILIDADES DE SOLUÇÃO. FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO DA AUTORA (NCPC, ART. 373, I). ÔNUS DA PROVA. REALIZAÇÃO. INOCORRÊNCIA. COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO. UTILIZAÇÃO DO SISTEMA POR MAIS DE 5 (CINCO) ANOS. IMPRECAÇÃO DE FALHAS SOMENTE APÓS A EXTINÇÃO DO CONTRATO E COBRANÇA DA MULTA. TERMO FINAL DA AVENÇA. RESCISÃO MANIFESTADA POR E-MAIL. CIÊNCIA INEQUÍVOCA. TRATAMENTO INADEQUADO DO PEDIDO. IMPOSSIBILIDADE DE TRANSPOSIÇÃO À CLIENTE. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. ACOLHIMENTO PARCIAL DO PEDIDO. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA DA RÉ. HONORÁRIOS RECURSAIS FIXADOS.

1. Conquanto o legislador de consumo tenha incorporado a teoria finalista ao definir o consumidor e como critério para delimitação da natureza jurídica da relação jurídica (CDC, art. 2º), estabelecendo que somente se enquadra como consumidor o destinatário fático e econômico do produto ou serviço que coloca termo à cadeia produtiva, obstando que seja inserido na definição aquele - pessoa física ou jurídica - que adquire o produto ou serviço como simples insumo, reinserindo-os na cadeia produtiva, essa conceituação deve ser modulada de forma a permitir a qualificação casuística da pessoa jurídica destinatária do produtos e serviços que se apresentam perante o fornecedor em condição de vulnerabilidade como consumidora, que se revela como princípio-motor da política de nacional das relações de consumo, conquanto destinem-se os produtos e serviços - software destinado ao gerenciamento de processos operacionais e serviço de suporte técnico - ao incremento de suas atividades, e não à reinserção no mercado de consumo (CDC, arts; 2º e 4º, I, do CDC).

2. Apurado que a pessoa jurídica contratante ostenta alguma das situações de vulnerabilidade consagradas na doutrina, quais sejam, a técnica (ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço), jurídica (falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo) e fática (situações que colocam o adquirente do produto ou serviço em desigualdade frente ao fornecedor), afigura-se legítima sua conceituação como consumidora equiparada de forma a ensejar a qualificação como de consumo o contrato que celebrara e tivera como objeto serviços volvidos a incrementar seus negócios.

3. Aempresa de venda de materiais de construção que adquire sistema computacional de gerenciamento de procedimentos operacionais, notadamente de controle e consumação de operações mercantis, e contrata o suporte técnico correspondente visando incrementar os serviços que fomenta, não ostentando conhecimento técnico especializado e colocando-se em situação de desvantagem frente à fornecedora e prestadora, deve ser qualificada como consumidora, consoante emerge do temperamento da teoria finalista - finalismo aprofundado -, qualificando-se o vínculo havido com a fornecedora dos produtos como relação de consumo.

4. Firmado contrato de cessão de direitos de uso de software e prestação de serviços de suporte técnico por prazo indeterminado, obrigando-se os contratantes, no entanto, à notificação do parceiro acerca da resilição com antecedência mínima de 180 dias, sob pena de incidência de cláusula penal, à usuária que, optando por rescindir o contrato sem denunciá-lo previamente, avia ação declaratória almejando o reconhecimento de que a rescisão se operara por falha na prestação dos serviços visando desvincular-se da avença sem o pagamento da multa contratual fica debitado o encargo de comprovar os fatos dos quais deriva o direito que invoca (NCPC, art. 373, I).

5. Defendendo a usuária a presença de defeitos de funcionalidade no software adquirido que impossibilitaram sua utilização, recai sobre ela o ônus de comprovar que, previamente à rescisão da avença, buscara soluções às dificuldades que lhe apresentavam a utilização do sistema, corroborando a tese de que os serviços não lhe foram prestados a contento, porquanto essa circunstância qualifica-se como fato constitutivo do direito que postulara, resultando que, ignorando o encargo que lhe estava afetado, deixando de produzir o mais tênue elemento a evidenciar as falhas, merece prevalência a assertiva de que os defeitos inexistiam, devendo o pedido de resolução do contratual ser interpretado como mera desistência, sujeitando-se pois, à cláusula pena livremente pactuada por não ter previamente denunciado o contratado na forma ajustada.

6. Aferida por prova técnica produzida no fluxo processual que as dificuldades encontradas pela empresa usuária no manuseio do sistema que elegera ao gerenciamento de seus procedimentos operacionais, conquanto reconhecida a complexidade do software, decorrera de sua própria inércia, pois, a par de conhecer suas funcionalidades, não buscara a necessária capacitação para operá-lo, tampouco esgotara as possibilidades de adaptação do sistema às suas peculiares necessidades, sendo, portanto, contornáveis, não podem ser transmudadas em falhas imputadas aos serviços prestados.

7. Acláusula geral da boa-fé objetiva, com larga aplicação nas relações obrigacionais, exerce múltiplas funções, desde a fase anterior à formação do vínculo, passando pela sua execução, até a fase posterior ao adimplemento da obrigação: interpretação das regras pactuadas (função interpretativa - Código Civil, artigo 113), criação de novas normas de conduta (função integrativa - artigo 422) e limitação dos direitos subjetivos (função de controle contra o abuso de direito - artigo 187).

8. Sob sua função de controle, a boa-fé objetiva atua com o fim de evitar o abuso de direito pelo seu titular, vedando que a parte assuma comportamentos contraditórios no desenvolvimento da relação obrigacional, o que resulta na vedação do venire contra factum proprium, o que se verifica com a manifestação da usuária do software que, tendo utilizando o sistema por mais de 5 (cinco) anos sem nunca buscar solução às supostas dificuldades que encontrava em seu manuseio, avente, após desistir de utilizá-lo e ser afetada pela multa contratual convencionada, a imprecação de falhas no sistema que impossibilitavam sua utilização como fatos passíveis de legitimarem sua postura e ensejarem o reconhecimento de que incorrera a prestadora em inadimplemento culposo, rendendo ensejo à rescisão do contrato sob esse formato.

9. Manifestando a consumidora o interesse em rescindir a avença via de mensagem eletrônica direcionada à fornecedora dos serviços e não recebendo o pedido tratamento adequado por circunstâncias afetas à desorganização empresarial da própria contratada, as consequências dos entraves que dificultaram o processamento do pedido, mantendo a consumidora vinculada à avença quando já manifestado de forma inequívoca o interesse em rescindir o contrato, devem ser suportados exclusivamente pela fornecedora, resultando que o momento em que a consumidora manifesta o interesse em rescindir a avença deve ser apreendido como termo final de vinculação aos seus termos, inclusive porque deixara de fruir dos serviços e contratara no sistema em substituição ao disponibilizado, cuja licença de utilização, ademais, se expirara logo após a manifestação.

10. Editada a sentença e aviado o apelo sob a égide da nova codificação processual civil, o desprovimento quase integral do recurso implica a majoração dos honorários advocatícios originalmente assegurados à parte recorrente, porquanto o novo estatuto processual contemplara o instituto dos honorários sucumbenciais recursais, devendo a majoração ser levada a efeito mediante consideração da amplitude do êxito e decaimento e ponderação dos serviços executados na fase recursal pelos patronos da parte exitosa e guardar observância à limitação da verba honorária estabelecida para a fase de conhecimento (NCPC, arts. 85, §§ 2º e 11).

11. Apelação conhecida e parcialmente provida. Pedido parcialmente acolhido. Honorários recursais fixados. Unânime.
Decisão:
CONHECER E DAR PARCIAL PROVIMENTO, UNÂNIME
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