CIVIL. APELAÇÃO. RECURSO ADESIVO. GRATUIDADE EM GRAU DE RECURSO. PRELIMINAR. OFENSA À DIALETICIDADE RECURSAL. CONTRATO PARTICULAR. AQUISIÇÃO DE QUOTAS SOCIAIS. RESCISÃO COM DEVOLUÇÃO DOS VALORES. BOA-FÉ OBJETIVA. VIOLAÇÃO POSITIVA DO CONTRATO. NÃO DEMONSTRADA. ARRAS CONFIRMATÓRIAS. RETENÇÃO. POSSIBILIDADE. VALOR EXCESSIVO. REDUÇÃO. CLÁUSULA PENAL. CUMULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DUPLA CONDENAÇÃO A MESMO TÍTULO.
1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos para decretar a rescisão do contrato de compra e venda de quotas sociais firmado entre as partes, sem devolução de valores. Julgou, ainda, improcedente o pedido reconvencional que pretendia a multa contratual pelo inadimplemento.
2. A concessão da assistência judiciária gratuita pode ocorrer a qualquer momento do processo, com efeitos não retroativos.
3. O Código de Processo Civil dispõe que o recurso, para ser conhecido, deve preencher alguns requisitos formais, bem como deve ser observada a forma segundo a qual o recurso deve se revestir. Presentes os requisitos para admissibilidade do recurso, impõe-se a rejeição da preliminar.
4. As quotas sociais são consideradas bens perante a lei, podendo ser avaliadas financeiramente e dispostas, desde que respeitadas as normas pertinentes.
5. In casu, a autora pretende a rescisão do contrato de compra de quotas sociais com o fim de obter de volta os valores despendidos a título de sinal/entrada, sob o principal argumento de que teria sido induzida em erro substancial quanto ao negócio jurídico; o réu, por sua vez, objetiva a rescisão com o intuito de receber a penalidade pactuada, tendo em vista o inadimplemento da autora (não integralização do pagamento no prazo estabelecido).
6. A violação dos deveres anexos ao contrato, decorrentes da boa-fé objetiva, constitui espécie de inadimplemento. Para caracterizar tal violação, contudo, mister que a parte prejudicada demonstre a conduta violadora, maliciosa, que visou burlar os termos contratuais com comportamento antiético - situação não evidenciada nos autos.
7. Aanálise do contrato e do objeto contratado é de suma importância em qualquer tipo de relação jurídica.A especificação, com clareza, do objeto da contratação, das obrigações assumidas pelos contratantes e das demais questões negociais mostra-se imprescindível, a fim de reprimir entendimentos vagos. Ademais, a par da esperada boa-fé contratual, é papel cauteloso do contratante certificar-se de todos os aspectos que envolvem o negócio a ser consolidado.
8. Cumpridas as obrigações contratuais, as arras devem ser devolvidas para a parte que as pagou ou podem, ainda, serem utilizadas como parte do pagamento. Por outro lado, se a parte que deu as arras não cumprir o contrato, a outra pode retê-las - desde que seu valor não se revele manifestamente abusivo (no caso, quase 70% do valor do negócio entabulado).
9. Ao Juiz é permitido modular a cláusula contratual quando ela se afigurar excessiva, ponderando a natureza da relação abordada. Inteligência art. 413, Código Civil. Na espécie, o percentual retido foi reduzido de R$170.000,00 (cento e setenta mil reais) para R$100.000,00 (cem mil reais), estes correspondentes a 40% (quarenta por cento) da avença discutida. Embora a porcentagem instituída ainda se mostre superior à normalmente fixada em casos de rescisão de contratos de compra/venda, as especificidades da lide e seus contornos de cunho empresarial demandam arranjo jurídico diverso.
10. Incabível a cumulação da cláusula penal compensatória com as arras, sob pena de aplicação de sanção em excesso e a mesmo título, prevalecendo esta última na hipótese de inexecução do contrato. Precedentes STJ.
11. Recursos conhecidos. Recurso do réu desprovido. Recurso adesivo da autora parcialmente provido. Preliminar rejeitada.
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Acórdão 1107320, 20170110406108APC, Relator: SANDOVAL OLIVEIRA, 2ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 4/7/2018, publicado no DJE: 6/7/2018. Pág.: 141/152)