PROCESSO CIVIL, CIVIL E CONSTITUCIONAL. AÇÃO PARA ALTERAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA. TRANSEXUAL. MODIFICAÇÃO DE DESIGNATIVO DE SEXO. PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, INTIMIDADE, SAÚDE. AUSÊNCIA DE REALIZAÇÃO DE INTERVENÇÃO CIRÚRGICA DE REDESIGNAÇÃO SEXUAL. PONDERAÇÃO COM OS PRINCÍPIOS DA PUBLICIDADE E DA VERACIDADE DOS REGISTROS PÚBLICOS.
1. Cabe ao juiz, destinatário da prova, decidir a respeito dos elementos necessários à formação do seu convencimento. Havendo informações suficientes para a formação justa e equânime da questão que é posta ao julgador, correta é a sua decisão quando determina o imediato enfrentamento da questão ou, ainda, indefere a inquirição de testemunha desnecessária ao seu deslinde.
2. A ausência de identidade entre o sexo anatômico e o psicológico, denominada transexualidade, reflete-se como fonte de angústia e transtornos para o indivíduo que sofre com a questão da inadequação da sua identidade sexual psicológica e social em relação à identidade sexual morfológica, além da existência notória de discriminação, rejeição do seu fenótipo, frustração e desconforto. Dessa forma, atualmente, os elementos identificadores do sexo não podem ser limitados à conformação da genitália do indivíduo, presente no momento do nascimento, devendo ser consideradas outros fatores, como o psicológico, biológico, cultural e social, para que haja a caracterização sexual.
3. A República Federativa do Brasil possui, entre seus fundamentos, a dignidade da pessoa humana, que consiste no núcleo axiológico do constitucionalismo contemporâneo. Representa, pois, o valor supremo que irá informar a criação, a interpretação e a aplicação de toda a ordem normativa, sobretudo, dos direitos e das garantias fundamentais.
4. A alteração do prenome e do designativo de sexo no registro civil da pessoa transexual apresenta-se como meio de garantir o cumprimento e a efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana, da personalidade, da intimidade e da saúde. Todavia, somente o transexual que já se submeteu à intervenção cirúrgica para a mudança de sexo encontra-se amparado legalmente para obter autorização judicial para a alteração do designativo de sexo no registro civil. Precedentes.
5. Devem-se ponderar os direitos fundamentais, como os da personalidade, da dignidade da pessoa humana, da intimidade, da saúde, com os princípios da publicidade e da veracidade dos registros públicos, bem como da segurança jurídica. Dessa forma, ainda que haja a demonstração de que o requerente identifica-se com desígnio sexual feminino, somente após a intervenção cirúrgica mostra-se viável a realização da alteração do designativo de sexo no registro civil, em razão da repercussão social da referida alteração.
6. Rejeitou-se a preliminar de cerceamento de defesa e negou-se provimento ao apelo.
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Acórdão 841303, 20130111630845APC, Relator(a): FLAVIO ROSTIROLA, , Revisor(a): GILBERTO PEREIRA DE OLIVEIRA, 3ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 17/12/2014, publicado no DJE: 27/1/2015. Pág.: 377)