PROCESSO CIVIL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. CONSTITUCIONAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. PROVAS PRODUZIDAS SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. PRINCÍPIO DA COMUNHÃO DAS PROVAS. PRESERVAÇÃO. DIREITOS FUNDAMENTAIS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES. MANDAMENTO CONSTITUCIONAL. REGULAÇÃO PELO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. CONSELHOS TUTELARES. VIABILIZAÇÃO DE TAIS DIREITOS. DIMENSÃO OBJETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. PODER JUDICIÁRIO. EFETIVAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. MÍNIMO EXISTENCIAL. PROTEÇÃO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL. NÃO INVOCAÇÃO PARA SE AFASTAR DO MÍNIMO. ESVAZIAMENTO DA NORMA CONSTITUCIONAL. RECHAÇO. FIXAÇÃO DE ASTREINTES. POSSIBILIDADE. VALOR CONSETÂNEO COM A FINALIDADE PERSEGUIDA. MANUTENÇÃO.
1. Uma vez constatado que as provas foram produzidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, dispondo a parte de diversas oportunidades para carrear aos autos elementos probantes que entendesse cabíveis, repele-se assertiva de cerceamento de defesa.
2. Os elementos probatórios integram, como um todo, o material cognitivo juntado aos autos. À luz do princípio da comunhão das provas, significa dizer que, independentemente de quem produziu a prova, esta se incorpora ao processo e auxilia no convencimento do julgador.
3. Consoante o artigo 227 da Constituição Federal de 1988, édever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
4. Segundo a Carta Política brasileira, no artigo 204, asações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.
5. As diretrizes constitucionais a respeito dos direitos fundamentais da criança e do adolescente materializaram-se no Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n.8069/90, diploma legal que regula, entre outras metas, proteção integral, preferência de formulação de políticas públicas, destinação privilegiada de recursos públicos e primazia de tratamento, de que gozam crianças e adolescentes.
6. Sob o prisma de uma política de municipalização - reflexo de modelo constitucional descentralizador - o ECA previu o Conselho Tutelar, órgão que zela pelo cumprimento dos direitos dessas pessoas em desenvolvimento, de maneira a efetivar a proteção constitucional.
7. Recorde-se que "Os direitos fundamentais da criança e do adolescente têm seu campo de incidência amparado pelo status de prioridade absoluta, requerendo, assim, uma hermenêutica própria comprometida com as regras protetivas estabelecidas na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente. 3. A Lei 8.069/90 representa política pública de proteção à criança e ao adolescente, verdadeiro cumprimento da ordem constitucional, haja vista o artigo 227 da Constituição Federal de 1988 dispor que é dever do Estado assegurar com absoluta prioridade à criança e ao adolescente o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 4. Não é dado ao intérprete atribuir à norma jurídica conteúdo que atente contra a dignidade da pessoa humana e, consequentemente, contra o princípio de proteção integral e preferencial a crianças e adolescentes, já que esses postulados são a base do Estado Democrático de Direito e devem orientar a interpretação de todo o ordenamento jurídico. (...) (RMS 36.034/MT, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/02/2014, DJe 15/04/2014).
8. A dimensão objetiva dos direitos fundamentais deve ter a sua eficácia ressaltada não apenas sob o ponto de vista individual, mas também perante o Estado e a sociedade como um todo, já que são valores cujos fins devem ser respeitados e concretizados.
9. Não é função do Poder Judiciário implementar políticas públicas, encargo que é atribuído aos Poderes Legislativo e Executivo. No entanto, é dever estatal conferir efetividade aos direitos fundamentais atinentes a crianças e adolescente, devendo o Judiciário, diante da inércia dos outros poderes, prestar jurisdição que viabilize tal efetivação.
10. Acerca das prioridades de políticas públicas, bem como da escassez de recursos públicos, a insuficiência de disponibilidade financeira e orçamentária não pode servir para afastar o Poder Público da garantia do mínimo existencial, reflexo direto da dignidade da pessoa humana. A decisão governamental deve ter, como parâmetro, a tangibilidade, ainda que mínima, das normas programáticas positivadas na Constituição Federal de 1988. A cláusula da reserva do possível não pode, pois, ser invocada para frustrar esse mínimo, sob pena de se negar a própria dignidade da pessoa humana.
11. Ensina o Ministro Celso de Mello que "O Poder Público - quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de implementar políticas públicas definidas no próprio texto constitucional transgride, com esse comportamento negativo, a própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão da consciência constitucional." (ARE 639337 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC 15-09-2011 EMENT VOL-02587-01 PP-00125).
12. Constatado o não cumprimento pelo DISTRITO FEDERAL da obrigação de fornecer a conselho tutelar recursos humanos e materiais, a fim de viabilizar o funcionamento daquele, a procedência do pedido nesse sentido é medida que se impõe.
13. Verificado que o valor fixado a título de astreintes se mostra adequado, de forma a refletir a finalidade da multa, mantém-se tal montante.
14. Preliminar rejeitada. Apelo não provido.
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Acórdão 830930, 20030130013740APC, Relator(a): FLAVIO ROSTIROLA, 3ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 5/11/2014, publicado no DJE: 14/11/2014. Pág.: 150)